A importância
de Isaías para a compreensão a respeito do Messias e inquestionável. Prova
disso são as frequentes citações de seus oráculos no Novo Testamento. Pode-se
dizer também que os seus textos messiânicos foram tomados teologicamente pelo
cristianismo primitivo como um dos principais fundamentos para a compreensão da
natureza e atuação de Jesus de Nazaré na condição de Messias prometido,
particularmente em comunidades do primeiro século, formadas, em sua maioria,
por judeus cristãos, pois era necessário aprofundar a dimensão cristológica com
o objetivo de diminuir a possibilidade de se negar o caráter messiânico de
Jesus.
Entre os
títulos messiânicos da tradição veterotestamentária, interpretados como sendo
de Jesus de Nazaré, um em particular recebeu destaque: “Emanuel”, que, no
hebraico, é a junção de dois termos immánu, que significa “conosco” e EI, que
significa “Deus” ou “Senhor”, literalmente “conosco [está] Deus”. O título foi
uma apropriação teológica do livro atribuído ao profeta Isaías, já que a
expressão aparece em dois versículos e, indiretamente, em um versículo. Seguem
os versículos:
1) “Portanto, o
mesmo Senhor vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um
filho, e será o seu nome Emanuel”
(Is 7.14).
2) “[...] e
passará a Judá, inundando-o, e irá passando por ele, e chegará até ao pescoço;
e a extensão de suas asas encherá a largura da tua terra, ó Emanuel (Is 8.8)”.
3) “Tomai
juntamente conselho, e ele será dissipado; dizei a palavra, e ela não
subsistirá, porque Deus é conosco”
(Is 8.10).
Para saber um
pouco mais sobre o título messiânico Emanuel, é necessário apresentar algumas
considerações a partir do seguinte questionamento: Em que contexto
histórico-teológico, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, surge o conceito
de “Emanuel”? O questionamento se mostra relevante diante do percurso histórico
de, aproximadamente, 800 anos entre o surgimento do termo e sua inserção no
Evangelho de Mateus. Além disso, qual a importância do conceito de Emanuel para
os cristãos em geral? Essas são questões que serão trabalhadas ao longo deste
capítulo.
I - O CONTEXTO IMEDIATO DA PROFECIA MESSIÂNICA
Embora já se
tenha discutido alguns aspectos introdutórios do livro de Isaías no primeiro e
segundo capítulos, é preciso retomar algumas questões, particularmente em
relação ao contexto histórico em que surge o conceito de Emanuel, já que a
esperança que dele decorre se dá em meio a diversas crises institucionais. Do
ponto de vista histórico, Isaías exerce seu ministério profético em um momento
de crise política em Judá e Israel, com desdobramentos na vida religiosa e
cultural das tribos envolvidas. Desse modo, a percepção histórica e a reflexão
teológica tecem a narrativa a respeito do Emanuel.
1. Emanuel: contexto histórico-social
O capítulo que
versa sobre o Emanuel está inserido numa intensa relação diplomática envolvendo
Acaz (735 - 716 a.C), rei de Judá, Resim, rei da Síria, e Peca (739 - 732 a.C),
rei de Israel. Os dois últimos pressionavam Acaz para participar de uma
coligação contra Tiglate-Pileser III (745 - 727 a.C), rei da Assíria. A recusa
de Acaz em formar um bloco contrário à política de expansão da Assíria fez com
que Damasco e Israel se articulassem para derrubá-lo, pois o objetivo seria
criar um cisma em Judá e inserir um governante vassalo fiel à coligação
sírio-israelita, conforme informa o texto de Isaías: “Porquanto a Síria teve
contra ti maligno conselho, com Efraim e com o filho de Remalias, dizendo:
Vamos subir contra Judá, e atormentemo-lo, e repartamo-lo entre nós, e façamos
reinar no meio dele o filho de Tabeal” (Is 7.5,6). Houve um ataque sem êxito
contra Jerusalém. A Síria, porém, anexou aos seus domínios o território de
Elate. O texto de 2 Reis descreve resumidamente esse episódio: “Então, subiu
Rezim, rei da Síria, com Peca, filho de Remalias, rei de Israel, a Jerusalém, à
peleja; e cercaram Acaz, porém não o puderam vencer. Naquele mesmo tempo,
Rezim, rei da Síria, restituiu Elate à Síria e lançou fora de Elate os judeus;
e os siros vieram a Elate e habitaram ali até ao dia de hoje (2 Rs 16.5,6).”
Ainda que a
coligação siro-israelita não tenha logrado êxito em relação à tomada de
Jerusalém, a anexação de Elate certamente impôs temor entre as autoridades e à
população em geral, como fica claro no texto de Isaías: “E deram aviso à casa
de Davi, dizendo: A Síria fez aliança com Efraim. Então, se moveu o seu
coração, e o coração do seu povo, como se movem as árvores do bosque com o
vento” (Is 7.2). Não obstante às claras advertências do profeta Isaías, Acaz se
sentia pressionado a buscar uma aliança com a Assíria para defender as
fronteiras de seus inimigos. Algo que o fez no momento oportuno, segundo o
livro de 2 Reis: “E Acaz enviou mensageiros a Tiglate-Pileser, rei da Assíria,
dizendo: Eu sou teu servo e teu filho; sobe e livra-me das mãos do rei da Síria
e das mãos do rei de Israel, que se levantam contra mim. E tomou Acaz a prata e
o ouro que se achou na Casa do Senhor e nos tesouros da casa do rei e mandou um
presente ao rei da Assíria. E o rei da Assíria lhe deu ouvidos; pois o rei da
Assíria subiu contra Damasco, e tomou-a, e levou o povo para Quir, e matou a
Rezim. Então, o rei Acaz foi a Damasco, a encontrar-se com Tiglate-Pileser, rei
da Assíria [...]” (2 Rs 16.7-10a).
A ajuda da
Assíria não saiu barato para Acaz, pois certamente se livrou da opressão
siro-israelita, porém não conseguiu se livrar dos tentáculos da dominação
política de seu aliado, uma vez que Judá passou à condição de vassalo da
Assíria. Acrescenta-se ainda aos problemas políticos de Judá a relativização
religiosa e cultural, bem como a questão da ética nas relações sociais. Nesse
sentido, há informações de que o rei Acaz cometeu muitos atos contrários à Lei
de Deus. Por exemplo, 2 Reis narra que Acaz “[...] não fez o que era reto aos
olhos do Senhor, seu Deus, como Davi, seu pai. Porque andou no caminho dos reis
de Israel e até a seu filho fez passar pelo fogo, segundo as abominações dos
gentios, que o Senhor lançara fora de diante dos filhos de Israel. Também
sacrificou e queimou incenso nos altos e nos outeiros, como também debaixo de
todo arvoredo” (2 Rs 16.2-4).
Não é possível
identificar por meio da narrativa acima até que ponto o comportamento do rei
Acaz se fazia presente também na população. Entretanto, não é exagero sugerir
que suas atitudes morais exerciam influência na vida dos habitantes de Judá.
Assim, o contexto histórico-social aponta para o fato de que a confiança na
proteção de Deus estava em baixa, para dizer o mínimo, já que se buscava o
socorro da potência política da época, a Assíria. Com isso, demonstrava-se a
ineficácia ou inexistência da memória libertadora do Êxodo, pois, mesmo diante
do poderio do império egípcio, houve uma inequívoca ação libertadora de Deus na
história.
2. Emanuel: contexto histórico-teológico
O contexto
histórico-social apresentado anteriormente ilumina a ação profética de Isaías,
pois sua leitura teológica fundamenta-se no fato de que as ações de Acaz,
particularmente a aliança estabelecida com a Assíria, estavam mais alicerçadas
em pressupostos da lógica política e diplomática do que numa real e sincera
busca pelas orientações de Deus. A intervenção do profeta procura inicialmente
tranquilizar o aterrorizado rei Acaz. A orientação de Deus era: “E dize-lhe:
Acautela-te e aquieta-te; não temas, nem se desanime o teu coração por causa
destes dois pedaços de tições fumegantes, por causa do ardor da ira de Rezim, e
da Síria, e do filho de Remalias” (Is 7.4).
O que garante a
existência do povo de Deus não são as articulações políticas, já que, embora
necessárias, não dão conta da complexidade que envolve a existência de Judá.
Desse modo, Deus, por intermédio do profeta, esclarece de modo ininteligível:
“Entretanto, a cabeça de Efraim será Samaria, e a cabeça de Samaria, o filho de
Remalias; se o não crerdes, certamente, não ficareis firmes” (Is 7.9). Na
concepção teológica do profeta Isaías, a falta de confiança em Deus era o
principal entrave para a superação daquela situação, pois o mesmo Deus que agiu
na travessia do deserto em direção à Canaã traria salvação para a nação de
Judá. Diante da situação política que se desenhava, tendo, por um lado, a
coligação siro-israelita, e, por outro, os assírios, era necessário entregar a
situação ao conselho de Deus, pois Ele é o fiel cuidador do seu povo!
II - O SINAL DO “EMANUEL”
Quanto ao
receio de que a coligação siro-israelita obteria êxito no seu intento de
desestruturar Judá, inclusive tentando depor o seu rei, a resposta dada por
Deus a Acaz, por intermédio do profeta Isaías, foi a seguinte: “Assim diz o
Senhor Deus: Isto não subsistirá, nem tampouco acontecerá” (Is 7.7). Em outras
palavras, não se justificavam as atitudes de desespero e de alianças que
trariam mais prejuízo à nação. Tamanha era a convicção do arauto que procurou
novamente Acaz para lhe desafiar: “E continuou o Senhor a falar com Acaz,
dizendo: Pede para ti ao Senhor, teu Deus, um sinal; pede-o ou embaixo nas
profundezas ou em cima nas alturas” (vv. 10,11). A resposta de Acaz denotava
sua incapacidade para assumir desafios diante de Deus: “Acaz, porém, disse: Não
o pedirei, nem tentarei ao Senhor” (v.12). Conforme escreveu Raymond C.
Ortlund: “Deus entregara um cheque em branco a Acaz, mas ele se recusou a
descontá-lo. Por quê? Porque não queria confiar em Deus. E verdade que disse
isso com palavras mais piedosas (Dt 6.16). Mas tudo não passou de um rápido
pensamento, de uma hipocrisia diplomática”.
Porém, a
resposta de Deus, por intermédio do profeta, é direta: “Portanto, o mesmo
Senhor vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho,
e será o seu nome Emanuel. Manteiga
e mel comerá, até que ele saiba rejeitar o mal e escolher o bem. Na verdade,
antes que este menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem, a terra de que te
enfadas será desamparada dos seus dois reis” (Is 7.14-16).
A análise mais
ampla de Isaías sugere o cumprimento da profecia naquele contexto, podendo ser
um filho do rei Acaz ou do próprio profeta Isaías. O que se deduz dos
versículos 15 e 16 do capítulo 7, em conexão com os versículos 3 e 4 do
capítulo 8, que diz: “E fui ter com a profetisa; e ela concebeu e deu à luz um
filho; e o Senhor me disse: Põe-lhe o nome de Maer-Salal-Hás-Baz. Porque, antes
que o menino saiba dizer meu pai ou minha mãe, se levarão as riquezas de
Damasco e os despojos de Samaria, diante do rei da Assíria” (Is 8.3,4). Um
texto de Isaías pode estar se referindo à profecia sobre o filho de Acaz:
“[...] e passará a Judá, inundando-o, e irá passando por ele, e chegará até ao
pescoço; e a extensão de suas asas encherá a largura da tua terra, ó Emanuel”
(Is 8.8).
Por outro lado,
pode-se dizer também que as profecias se projetam para um futuro mais distante.
O que pode ser constatado nos versículos de 1 a 7 do capítulo 9 de Isaías:
“Mas a terra
que foi angustiada não será entenebrecida. Ele envileceu, nos primeiros tempos,
a terra de Zebulom e a terra de Naftali; mas, nos últimos, a enobreceu junto ao
caminho do mar, além do Jordão, a Galileia dos gentios. O povo que andava em
trevas viu uma grande luz, e sobre os que habitavam na região da sombra de
morte resplandeceu a luz. Tu multiplicaste este povo e a alegria lhe
aumentaste; todos se alegrarão perante ti, como se alegram na ceifa e como
exultam quando se repartem os despojos. Porque tu quebraste o jugo que pesava
sobre ele, a vara que lhe feria os ombros e o cetro do seu opressor, como no
dia dos midianitas. Porque toda a armadura daqueles que pelejavam com ruído e
as vestes que rolavam no sangue serão queimadas, servirão de pasto ao fogo.
Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os
seus ombros; e o seu nome será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da
Eternidade, Príncipe da Paz. Do incremento deste principado e da paz, não
haverá fim, sobre o trono de Davi e no seu reino, para o firmar e o fortificar
em juízo e em justiça, desde agora e para sempre; o zelo do Senhor dos
Exércitos fará isto” (Is 9.1-7).
Seria difícil
investigar todo o percurso histórico-linguístico do título Emanuel. Porém, certamente
o termo passa a fazer parte do vocabulário religioso judaico, sendo acessado
principalmente nos momentos de crises sociais e religiosas, como foi, por
exemplo, o cativeiro babilónico. A construção histórico-teológica da
expectativa messiânica no cativeiro babilónico impôs aos teólogos do período a
necessidade de buscar na tradição fundamentos que ancorassem a esperança do
povo. Desse modo, o Sinal do Emanuel extrapolaria a dimensão histórico-social
dos condicionamentos conceituais, inserindo-se na tradição veterotestamentária
como um conceito que se aplicaria a esperança messiânica.
Entretanto, o
título Emanuel também seria utilizado pelos cristãos, em particular quando se
percebeu a necessidade de se apresentar um fundamento histórico-teológico do caráter
messiânico de Jesus de Nazaré. É nesse sentido que se deve entender, por
exemplo, o emprego do termo pelo autor do Evangelho de Mateus.
Após a
destruição de Jerusalém no ano 70 pelo general romano Tito, muitos judeus
migraram para várias regiões da Palestina, sendo provável que judeus
convertidos a Cristo passaram a dividir o mesmo espaço geográfico com judeus de
estrutura religiosa farisaica, cujo centro religioso, na ausência do templo,
era a sinagoga. A expressão religiosa sinagogal sinalizava para a necessidade
de se preservar a identidade judaica, pois o momento de crise político-social
demandava ações de fortalecimento do vínculo identitário. É nesse contexto em
que o Evangelho de Mateus se insere, pois há o perigo de que judeus que se
converteram a Cristo sucumbam diante das políticas culturais de fortalecimento
da identidade judaica. Desse modo, a produção teológico-pastoral do autor do
Evangelho de Mateus se insere em uma comunidade cristã que procura se
desprender do vínculo ao judaísmo, particularmente de sua incredulidade
messiânica, conservando, porém, a continuidade histórico-teológica do Antigo
Testamento, sendo uma das questões-chave o fundamento veterotestamentário que
atesta o caráter messiânico de Jesus de Nazaré.
Ao contrário do
que a sinagoga ensinava - de que o messias ainda era uma espera - o evangelista
insiste que as escrituras se cumpriram em Jesus. Sendo assim, já não é mais
espera, e sim realidade presente que anima a comunidade. É nesse sentido que o
evangelista cita o sinal do Emanuel: “E ela dará à luz um filho, e lhe porás o
nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados. Tudo isso
aconteceu para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor pelo profeta,
que diz: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado
pelo nome de Emanuel. (Emanuel traduzido é: Deus conosco)” (Mt 1.21-23).
Ainda que o
Evangelho de Mateus seja o único a apresentar uma relação histórica e teológica
entre o sinal do Emanuel de Isaías e a presença de Deus por intermédio do
nascimento de Jesus de Nazaré, o conceito teológico da presencialidade de Deus
em Cristo perpassa os escritos do Novo Testamento. Um dos textos mais antigos
sobre a habitação de Deus entre os homens é o hino cristológico que aparece na
carta escrita aos Filipenses por Paulo, provavelmente na segunda metade da
década de 50 d.C. Segue o texto: “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento
que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por
usurpação ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de
servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem,
humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que
também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome,
para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na
terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor,
para glória de Deus Pai” (F1 2.5-11).
Do mesmo modo,
o Evangelho atribuído ao apóstolo João descreve o lógos pré-existente (Jo 1.14) que é
confirmado em sua epístola, quando procura discernir as compreensões sobre
Jesus: “Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que
Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa que
Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo,
do qual já ouvistes que há de vir, e eis que está já no mundo” (1 Jo 4.2,3).
III - O DEUS
ETERNAMENTE CONOSCO
Embora se
esteja trabalhando a ideia de “Deus conosco” (Emanuel) a partir da situação
histórica de Judá, é preciso levar em conta que as sagradas escrituras
apresentam a presença de Deus em toda a história humana. Por exemplo, a
narrativa do Jardim do Éden descreve a presença de Deus entre a criação,
particularmente em sua relação harmoniosa com o homem e a mulher. Deus passeava
pelo Jardim (Gn 3.8), o que sugere assiduidade na tratativa com o homem e a
mulher, indicando, também, uma relação de confiança e amizade. O pecado
abalaria o relacionamento com Deus. A proximidade e a confiança cederam lugar
ao medo (Gn 3.10), manchando para sempre o relacionamento entre Deus e o ser
humano. A graça de Deus, no entanto, foi oferecida ao primeiro casal, pois, se
o pecado conduziria à morte (Gn 3.3), a permissão para que vivessem com
qualidade de vida seria uma demonstração inequívoca da misericórdia e da
generosidade de Deus. Mesmo com a relação abalada por causa do pecado, Deus
jamais deixou de desejar ardentemente estar conosco. É o que mostra o relacionamento
de Deus com os grandes personagens da Bíblia Sagrada.
1. Ele esteve com israel
Um dos
personagens a quem Deus se revelou na antiguidade foi Abrão. E não somente
isso, ele seria o início de um projeto de nação desenvolvida e executada pelo
próprio Deus. Conforme a narrativa de Génesis: “Ora, o Senhor disse a Abrão:
Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que
eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei, e
engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te
abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas
as famílias da terra” (Gn 12.1-3).
A partir de
Abrão e de sua descendência, Isaque e Jacó, surgiria a nação de Israel que
desfrutaria da presença de Deus. O Senhor faz uma aliança com o povo de Israel.
Porém, a garantia da presença dEle estava condicionada à fé, ou seja, na
entrega irrestrita do povo aos seus desígnios. O Novo Testamento reconhece o
valor da fé de homens e mulheres que, apesar de suas dificuldades, peregrinaram
fundamentados na fé em Deus (Hb 11.1-40). Foram homens e mulheres que
experimentaram o “Deus conosco”.
É correto
afirmar que, apesar de todos os problemas que o povo de Deus teve para
permanecer fiel à aliança, com tantas oportunidades que tiveram de experimentar
sempre de novo a misericórdia e a bondade de Deus, e apesar de reiteradamente
optarem pela desobediência, o Senhor permaneceu fiel à aliança com Israel,
mesmo quando estavam no cativeiro. O povo quase foi dizimado, mas Ele prometeu
um resto (Is 10.19), um remanescente (Is 1.9; Sf 3.13) e finalmente, um que
“brotará um rebento do tronco de Jessé, e das suas raízes um renovo
frutificará” (Is 11.1), simbolizando o Messias, o Emanuel, que sobreviveriam a
todas as destruições e catástrofes.
Portanto,
apesar de não merecerem, Ele cuidou e esteve com seu povo por amor a toda
humanidade (Jo 3.16). Esse Emanuel seria a concentração espiritual e santa de
Israel, de tal forma que o próprio Cristo foi a realização do pacto de Deus com
Israel. “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está
sobre os seus ombros [...]” (Is 9.6).
2. Ele está conosco
Como já foi
dito, em Jesus de Nazaré se cumpriram todas as profecias bíblicas sobre a vinda
do Messias. Ele é o Cristo enviado de Deus para salvar a humanidade sofredora.
O Emanuel é a garantia de que, assim como foi com o povo de Israel, Ele também
está conosco, como Ele mesmo prometeu: “[...] eis que eu estou convosco todos
os dias, até à consumação dos séculos” (Mt 28.20). Assim se cumpre em nós a
promessa messiânica de que Ele, de fato, estaria conosco. O apóstolo João
escreveu: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória,
como a glória do Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). O
verbo “habitar” utilizado por João tem o mesmo sentido que o Emanuel utilizado
por Isaías. Ou seja, Deus agora habita definitivamente entre seu povo através
de Cristo e de seu sacrifício na cruz. “E, se o Espírito daquele que dos mortos
ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que dos mortos ressuscitou a Cristo
também vivificará o vosso corpo mortal, pelo seu Espírito que em vós habita”
(Rm 8.11).
A presença de
Deus ocorre em dimensões trinitárias, tendo em vista que o Pai, o Filho e o
Espírito Santo atuam harmoniosamente entre nós, dando--nos sentido e direção
existencial. Imbuídos da presença trinitária de Deus, homens e mulheres ousaram
romper barreiras étnico-culturais para levar o evangelho a todas as nações,
cumprindo, assim, a expansão do evangelho determinada por Jesus: “Mas
recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis
testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos
confins da terra” (At 1.8). Eles enfrentaram perseguições, resistiram aos falsos
mestres, desafiaram os poderosos deste mundo, pois se entendiam como portadores
da fé no “Deus Conosco”.
Do mesmo modo
na contemporaneidade, embora o mundo se apresente de modo diferente do
vivenciado pelos pais fundadores, a presencialidade de Deus ainda é manifesta
de forma inequívoca, principalmente no vínculo comunitário da comunhão. O mesmo
Senhor que foi “Deus conosco” por ocasião da angústia de Judá, será “Deus
conosco” nos momentos de crise da Igreja, já que: “[...] onde estiverem dois ou
três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt 18.20). A presença do
Emanuel transcende a existência e a história. Ele não apenas esteve com Israel,
mas também com toda a humanidade. Ele sempre esteve, está e estará conosco
provendo salvação, cura e cuidado de tudo e de todos. Convém estarmos atentos à
presença do Emanuel em nossas vidas, manifestando-a a outros que também
precisam dela para sobreviver aos conflitos, injustiças e percalços da vida.
3. Ele estará conosco
O conceito do
“Deus conosco” também é revestido de concepções escatológicas, pois o conceito
do Emanuel não aponta somente para o passado ou presente, mas também é a
garantia de que, também no futuro, o Senhor estará entre seu povo, não apenas
espiritualmente e de forma limitada pelas contingências humanas, mas também com
toda a sua força e esplendor na plenitude do Reino de Deus. No entanto, o Reino
de Deus que se concretizará plenamente no mundo vindouro é também uma dimensão
que invade o presente. Jesus disse: “Mas se é pelo dedo de Deus que eu expulso
demónios, então chegou a vocês o Reino de Deus” (Lc 11.20 -NVI). O “Deus
conosco” nos convida a participarmos em seu Reino de justiça e paz, tendo em
vista que a presença do Reino de Deus implica em destronar o império do mal.
O Reino de Deus
caminha para o seu desfecho tendo a Igreja como protagonista da presença justa
de Deus no mundo. Assim, nós não somos apenas portadores da bênção do “Deus
conosco”, somos também sinais da presença de Deus no mundo. Desse modo, a
presença do Reino de Deus impõe à Igreja a responsabilidade de vivenciar e
testemunhar os seus valores, algo explícito nos capítulos 5 a 7 do Evangelho de
Mateus.
O Emanuel faria
parte, então, da esperança cristã da presença de Cristo na comunidade, motivo
de grande celebração, pois ressoa a promessa: “Eis que eu estou convosco todos
os dias, até à consumação dos séculos” (Mt 28.20). Essa promessa não pode ser
motivo para uma fé paralisada. Pelo contrário, o derramamento do Espírito Santo
tinha como propósito capacitar homens e mulheres para serem “testemunhas” (At
1.8). Do mesmo modo hoje, celebremos a presença do Senhor em todas as dimensões
da vida, testemunhando ao mundo os valores inefáveis do Reino de Deus,
aguardando ativamente o desfecho do Senhor. Conforme diz em apocalipse: “E ouvi
uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens,
pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles e será o seu Deus” (Ap 21.3).
Autor:
Claiton Ivan Pommerening
0 comentários:
Postar um comentário