A chamada do
profeta tem uma conexão direta com os atributos divinos que são a santidade de
Deus acompanhada de sua glória. São esses atributos que dão a essa passagem
histórica na vida do profeta um destaque especial. Sem o impacto da revelação
divina, não haveria a reação intensa do profeta. Ele tem um vislumbre da glória
e santidade que lhe toca assombrosa e magnificamente alterando por completo o
seu modo de pensar. Suas emoções e sua razão são afetadas positivamente pela
visão, de tal forma que ele se entrega totalmente a partir desse evento.
Isaías não é
mais o mesmo. Ele não tem mais medo de reis nem se preocupa com sua posição de
destaque no reino; com o dedo em riste, porém educadamente, expõe as entranhas
pecaminosas do povo de Deus e de seus governantes, não temendo o perigo (aliás,
ele termina seu ministério serrado ao meio, conforme a tradição).
Essa passagem
bíblica é uma das mais celebradas de seu livro. Certamente, todos já ouviram
alguma pregação a respeito dela nas mais variadas formas de interpretação. O
atrativo do texto se dá pela manifestação da glória e da santidade de Deus de
uma maneira extraordinária, viva e transformadora para o profeta. Diante da
experiência que ele tem com Deus, tudo se transforma em sua vida; ele não
somente vê, sente, ouve e age dentro da visão, mas também tem uma nova
perspectiva de vida a partir da visão; os seus valores, vontades, desejos e a
consagração a Deus são renovados. Agora ele está totalmente entregue e absorto
à vontade de Deus, independentemente dos resultados alcançados. É bem provável
que ele tenha começado a profetizar a partir dessa experiência com Deus,
situando-se os capítulos de 1 a 5 em data posterior a essa experiência, mas não
há como confirmar essa hipótese, podendo também ser uma reconvocação da parte
de Deus.
O que chama
atenção do texto é a manifestação da glória do Senhor vista por Isaías, ao
mesmo tempo visível e ocultada pela fumaça que enchia o templo. A glória denota
o ser e a presença de Deus, que se torna manifesta em aviltante contraste com a
situação do ser humano; por isso, ela causa tantas reações espirituais,
psíquicas, emocionais e físicas, como no caso do profeta Isaías.
Só é possível
ver a glória de Deus porque Este resolve se revelar, pois Ele deseja habitar
entre os homens e quer que estes habitem com Ele; só que, para isso, é preciso
que a revelação da glória modifique a santidade dos que se aproximam dEle e, em
obediência e fé, se entreguem a Ele. Portanto, é iniciativa dEle querer ser
experimentado pelos homens, mas a estes cabe se entregar ao desejo de Deus. A
glória do Senhor tem a função de revelar-se ao seu povo no sentido de que Deus
seja de alguma forma conhecido, embora nenhum ser humano tenha acesso completo
a essa glória. Aos seres humanos, cabe a obrigação de retribuir a manifestação
da glória com reverente adoração (Rm 4.20), e os que deliberadamente deixam de
fazê-lo correm sério perigo (At 12.23).
No Antigo
Testamento, essa glória é manifesta a Moisés na sarça ardente (Êx 3.2-4); na
nuvem que os guiava no deserto e na coluna de fogo durante a noite (Êx
16.7,10); no monte Sinai, lugar onde Moisés viu a glória do Senhor face a face
(Êx 24.15-18; 33.20; 34.5-8); no tabernáculo onde se manifestou a glória (Êx
40.34-35); nos sacrifícios (Lv 9.22-23); no templo (1 Rs 8.11; 2 Cr 7.1-3); e
também é revelada aos profetas Isaías (Is 6) e Ezequiel (Ez 1.28) e descrita
nos Salmos 18 e 29.
No Novo
Testamento, ela é vista pelos pastores (Lc 2.9,14), pelos discípulos de Cristo
(Jo 1.14); nos sinais e milagres de Cristo (Jo 2.11); na transfiguração (Mt
17.1-8); na demonstração de sua própria glória (Jo 7.39; Hb 1.3); e será
revelada na sua vinda (Mc 8.38). Essa glória deve ser refletida pela Igreja (2
Co 4.3-6) enquanto proclama o evangelho de Cristo (1 Pe 4.14). “E vimos a sua
glória, como a glória do Unigénito do Pai.” (Jo 1.14). Essa glória que a tudo
preenche será plenamente revelada aos seres humanos quando estivermos na cidade
celestial (Ap 15.8; 21.23).
I - A VISÃO SANTA
1. A Crise do profeta
Isaías
provavelmente era um parente próximo do rei Uzias (sobrinho); assim, ele
desfrutava de privilégios junto ao palácio real, era cronista oficial do rei, o
que escrevia a história real. Portanto, a história deveria ser escrita seguindo
o desejo real, ou seja, ele deveria ser conivente com os acertos e com as
injustiças do reino. Isaías não poderia falar mal do rei nem confrontá-lo. Caso
contrário, ele perderia seu “emprego”. Ele pertencia aos oficiais remunerados,
com estabilidade, segurança e demais benefícios do favor real. Por isso, sua
psique é afetada com a morte do rei.
Como se não
bastasse a instabilidade no palácio real, que arranca sua segurança, ele
percebe que algo não está bem entre ele e seu Deus. Algumas contas tinham que ser
ajustadas, confissões tinham de ser feitas. O confronto com a visão da glória e
a sinfonia angelical cantando sua santidade expunham sua situação num contraste
inigualável e incomparável. Nenhum ser humano suporta essa visão sem que seu
interior perceba sua real situação; tudo isso fazia brotar arrependimento
sincero de seu coração. Suas intenções mais secretas foram expostas diante da
santidade do Senhor que tudo vê, suas conversas tolas e maldizentes vieram à
tona, seu estado calamitoso lhe foi exposto vergonhosamente. Afinal, ele andava
com os poderosos, alinhava-se e era conivente com suas práticas, e isso era
intolerável para o Senhor diante da grandeza do ministério que Ele queria lhe
dar. Isaías não poderia continuar com suas velhas práticas se quisesse ser o
grande profeta do Antigo Testamento. Ele entendeu o desígnio do Senhor como
poucos em sua época eram capazes. A santidade da glória o impactou, o
santificou e o purificou de seus pecados. Agora, sim, ele estava pronto para
ser quem o Senhor queria que ele fosse. Uma conversão genuína ao Santo se
operou nele. Ele teria que ser separado (qãdhôsh em hebraico) para o chamado. Não seria
mais cooptado pela mentira real, pela idolatria do povo, pelas injustiças dos
poderosos. Ele se tomaria uma voz profética a confrontar todos os tipos de
pecados, ainda que seus autores fossem pessoas de alta posição social e
religiosa. A vida do profeta é um exemplo para “muitos que recusam o seu ensino
ético e, consequentemente, se inclinam a seguir a trilha da comodidade e de
favorecerem a si próprios; e os poucos que aceitam a verdade em busca da
segurança eterna, acima de tudo, sem se importar com o preço.”
2. O Assombro e o terror majestoso
Os símbolos de
sua santidade são majestade e glória, como vistos por Isaías. O que o profeta
vê lhe causa terror e assombro, diante da grandeza da majestade que se revela a
ele. Isaías vê o trono de glória (do hebraico kabod: carga, energia), de onde
todas as coisas materiais e espirituais tomam vida, fôlego e forças, e vê também
a fumaça que esconde, envolve e permite descobrir em partes o todo majestoso.
Ele tem a visão dos serafins (do hebraico “incandescente”), seres que assistem
e adoram diante do Trono de Deus, e ouve a suprema adoração desses seres:
“Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua
glória” (Is 6.3).
A revelação de
Deus para nós, embora completa em Cristo, ainda permanece cercada de mistérios
e inacessível (1 Tm 6.16). Nesse sentido, Deus não pode se tomar objeto de
nosso conhecimento. Deus é Santo não somente na qualidade moral, mas
principalmente no fato de ser inacessível. Isaías se espanta pelo fato de o
Senhor se tomar acessível a um pecador como ele, demonstrando que é possível
Deus se esvaziar (Fp 2.7) parcialmente de sua glória para se revelar ao homem
mortal e transformar a sua realidade.
O sentimento de
criatura e nulidade é um efeito colateral do sentimento de receio e assombro
que leva a uma dependência total de Deus, que se revela na teofania e
“pressupõe uma sensação de ‘superioridade (e inacessibilidade) absoluta’” de
Deus (Hb 12.21). Portanto, o ser humano como um todo, composto de emoções,
sentimentos, desejos, volição, raciocínio, intelecto e corpo são tomados pela
presença do Todo-Poderoso nessa experiência. O ser humano sente-se como que um
profano ante a augusta presença. Esses sentimentos podem estar presentes cada
vez que o sujeito se abre a essa experiência com Deus, seja na conversão, no
batismo no Espírito Santo ou em momentos de comunhão. Quem é atingido pelo
milagre ou prodígio da presença de Deus fica boquiaberto, estupefato e
assombrado (no sentido de espanto) diante da estranheza absoluta, do totalmente
outro, daquEle que foge ao entendimento.
Apesar disso, o
assombro produz também a constatação da beleza do Eterno, que traz admiração e
é algo atraente, cativante, arrebatador, encantador e fascinante pelo perfeito
caráter divino, demonstrados através do amor, da misericórdia, da compaixão e
do consolo. Ninguém que tenha um encontro verdadeiro com Deus sai dessa
presença brincando ou indiferente. Sempre que alguém disse ter tido um encontro
desses, esse alguém é tomado de um santo temor, por uma mistura de inadequação,
não merecimento e pequenez, ao mesmo tempo em que é tomado por uma admiração,
um desejo de adoração, uma vontade de entregar-se. Enfim, fascinação e assombro
ao mesmo tempo, uma mistura de sentimentos que ao final produzem novas
estruturas de compreensão mentais e emocionais, mas que também constroem um
novo sujeito.
Este novo
sujeito fica livre do medo de Deus, mas também sabe que não pode viver
levianamente diante do santo. Um santo temor se instala, pois “o perfeito amor
lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que tem medo não é
aperfeiçoado no amor.” (1 Jo 4.18 - ARA). Assim, a compreensão do amor de Deus,
presente em sua glória, produz nele um alívio pela culpa do pecado, a certeza
do livramento da condenação etema, uma libertação de neuroses religiosas, além
de trazer esperanças concretas de um cuidado paterno que só Deus pode dar. Esse
amor produz também a grande responsabilidade da luta pela pureza e pela
integridade, pois, diante do Santo, nenhuma leviandade, lassidão ou flerte com
o pecado são desculpáveis. Assim sendo, o santo temor daquEle que é Santo se
instala na alma do sujeito, levando-o a ser como Cristo. “Porque os que dantes
conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho.”
(Rm 8.29).
3. A Constatação assustadora
Diante da
santidade de Deus que se revela ao profeta, com a fumaça enchendo o templo, as
portas com seus umbrais e batentes rangendo e estralando (Is 6.4) e os
querubins cantando, todos os sentidos do profeta experimentam sensações
intensas, não havendo outra coisa a fazer senão ficar assombrado, pois fica
muito claro o contraste entre o Santo e o pecador; entretanto, Ele não se
revela para condenar, mas para perdoar. A visão lhe dá a constatação mais
difícil para qualquer ser humano, a sua pecaminosidade e miséria, levando-o a
uma confissão que sai do profundo do coração: “ai de mim, que vou perecendo!”
(Is 6.5).
Entretanto, a
constatação da necessidade de santidade que Deus dá leva em conta a humanidade
com a qual Deus criou os seres humanos. Caso contrário, sua presença
aniquilaria o pecador. Dessa forma, a santidade que Deus espera de qualquer
cristão é humanizada na humanidade tentada e sofredora de Cristo, ou seja,
ninguém é chamado a ser um super-herói cristão; antes, essa santidade é
aprimorada pelas tentações, sofrimentos, quedas e tropeços comuns a qualquer
ser humano. É uma grande manifestação da graça de Deus.
II - A PURIFICAÇÃO DO PROFETA
1. A Misericórdia que leva ao
arrependimento
Uma profunda
tristeza tomou conta do profeta diante da constatação de pecador. Ele permanece
perto do Santo por um tempo suficiente para constatar a impureza. Depois,
recebe dEle a brasa viva purificadora. Se o profeta não tivesse passado tempo
com Deus, teria vivido em trágica ignorância de quem Deus era e de seus
caminhos para ele e para o povo. Somente a presença do Santo pode detectar em
nós aquilo que ainda precisa ser purificado. Por conta e vontade própria, esse
processo será superficial e incapaz de produzir transformações verdadeiras e
duradouras. É o entrar no Santo dos Santos, que nos foi possibilitado pelo
sacrifício de Cristo (Hb 10.20), que nos permite constatar quem realmente somos
e o que Deus espera de nós.
Deus estende a
ele sua grande misericórdia, manifestada primeiramente na capacidade de se
arrepender. O Senhor não deixa o profeta abandonado quando este se arrepende,
pois Ele não tolera o pecado, mas vem ao encontro de um coração contrito. O
próprio profeta revela isso mais adiante em seu livro, como que numa explicação
da experiência que teve com Deus. “Pois assim diz o Alto e Sublime, que vive
para sempre, e cujo nome é santo: ‘Habito num lugar alto e santo, mas habito
também com o contrito e humilde de espírito, para dar novo ânimo ao espírito do
humilde e novo alento ao coração do contrito.’” (Is 57.15 - versão NVI).
2. A Brasa purificadora
A manifestação
da glória e da santidade de Deus produz um contraste absoluto entre criatura e
criador. A teofania mostra a transcendência de Deus, infinitamente acima da
criação, impossível de ser comparada ou assimilada; porém, o Senhor faz as
coisas se tomarem mais fáceis ao, juntamente com sua glória e santidade,
mostrar também sua misericórdia, graça e amor incondicionais. Somente por esses
atributos é que a comunicação se estabelece, o entendimento vem com clareza e a
compreensão da situação pecadora do profeta não destrói sua estrutura humana.
Deus lhe estende a mão através da tenaz do anjo e da brasa tirada do altar. Mas
o fato de o Senhor descer ao encontro do ser humano não tira a majestade dEle,
muito menos o diminui; antes, salienta seu caráter majestoso de amor.
Entretanto, ao se aproximar do ser humano, Deus o traz para perto dEle, expande
as virtudes do ser humano, tomando-o santo como Ele é santo (Hb 12.10).
Deus não deixa
o profeta em desespero. Se Deus não interviesse com a brasa, o profeta seria
destruído. Mais uma vez, a misericórdia e a graça de Deus se manifestam, pois,
diante da culpa e incapacidade humana de alcançar êxito no esforço de
santificação, Ele mesmo intervém bondosa e amorosamente, produzindo aquilo que
para o profeta seria impossível de alcançar, ou seja, a possibilidade de ele
ser santo diante de sua própria pecaminosidade e propensão a pecar, bem como o
fato de ele viver no meio de pessoas pecadoras e que lhe servem de tropeço e
incentivo ao mal.
3. Culpa removida e pecado perdoado
Um alívio toma
conta do profeta pecador quando este ouve a voz proclamando que está tudo
perdoado. E o grito que ecoa do Calvário anunciando: “Pai, perdoa-lhes, porque
não sabem o que fazem” (Lc 23.34). Ao aceitarmos e crermos que Jesus tem poder
para perdoar nossos pecados e aliviar nossa culpa, somos imediatamente aceitos
como filhos, e todo peso é retirado, o fardo se toma leve e suave (Mt 11.30).
Santificação
(ou perfeição) não significa ausência absoluta de pecados, pois isso somente
será possível no céu; antes, significa desenvolver maturidade na consciência,
na liberdade, nos relacionamentos e na transcendência, de tal forma que, entre
escolher um prazer momentâneo ilícito ou a felicidade e alegria constante do
Espírito, optar-se-á por este último, pois é este que traz descanso e paz à
alma humana.
Assim sendo, o
encontro com o Santo produz o equilíbrio necessário entre um ascetismo
religioso empobrecedor que o leva a viver ansiosamente e o impossibilita de
fazer escolhas sábias, bem como da liberdade desintegrado-ra que o leva a
lançar-se em situações confusas que conduzem a caminhos de morte. O evangelho
nos conclama a viver o equilíbrio da liberdade interior onde tudo é lícito,
inversamente ao compromisso de viver sem que nada fira a consciência ou
entristeça o Espírito Santo (Ef 4.30). Essa liberdade é fruto da vontade do ser
unificada pelo Espírito Santo, onde a luta interior entre bem e mal é
apaziguada e direcionada à vontade de Cristo.
III - A CHAMADA
DO PROFETA
1. Uma mudança radical
A santidade de
Deus incutida no profeta não é limitada a uma experiência emocional ou
devocional para se sentir espiritual. Ela traz junto uma voz de comando, uma
ordem a ser obedecida, que ele fará com prazer. A santidade é um convite para
trabalhar com Deus do jeito dele para impactar o mundo. O chamado do profeta
não lhe é imposto. Deus lhe faz uma pergunta e lhe convida a uma resposta. A
pessoa tem liberdade de dizer sim ou não; porém, diante da grandeza e da
santidade de Deus, sua vontade é se sujeitar inteiramente. O chamado de Deus
nunca é imposto. É, antes de mais nada, um convite a ser respondido em amor diante
da grandeza do amor que nos constrange (2 Co 5.14).
Só consegue
obedecer com toda a sinceridade quem é completamente livre. Mas a verdadeira
liberdade só é possível quando se cultiva a liberdade interior, que brota do
núcleo do ser, do interior mais invisível, pois é ali que Deus habita; só se é
livre quando se atinge esse lugar mais íntimo, onde não existem apenas
aparências, hipocrisias ou faz de conta, mas é também onde Deus tudo vê e
discerne. Esse é o lugar onde ninguém consegue nos manter presos a nada, nem à
religiosidade, nem a normas ou dogmas religiosos. Embora em Cristo estejamos
sujeitos a todos, em Cristo estamos também livres de tudo e de todos. Portanto,
é no coração que se resolve esta paradoxal situação: ser completamente livre
para obedecer. E nesse lugar onde cultivamos a sensibilidade pela vida e pelo
belo e nos abrimos totalmente a desfrutar e viver essa realidade livre de
amarras alienadoras, onde, de fato, nos tomamos humanos e, sendo humanos,
realizamos plenamente a vontade de Deus para a qual Ele nos criou.
Entretanto, a
liberdade tem um preço. As consequências da liberdade são reféns das escolhas.
Se forem escolhas sábias e prudentes, elas nos levarão a lugares de sensatez e
honra; agora, se forem escolhas estúpidas, elas nos levarão a lugares de amarga
derrota e consequências fugazes. Como disse o poeta Pablo Neruda: “Você é livre
para fazer escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. E no coração que se
fazem as melhores escolhas. Elas podem matá-lo ou fazê-lo viver, mediocrizá-lo
ou fazê-lo voar alto, fazê-lo pecar ou embelezá-lo de santidade. Escolhas podem
ser discutidas e afirmadas com a boca, mas é apenas no coração que elas são
decididas.
Essas duas
escolhas geralmente têm a ver com a luta consigo mesmo, com vencer a si
próprio. Foi por isso que Jesus disse: “tome cada dia a sua cruz, e siga-me.”
(Lc 9.23). Portanto, é uma luta e escolha diária vencer o egoísmo de querer se
satisfazer e dar lugar aos desejos próprios, aos pensamentos de orgulho, à
justiça própria, aos pecados de que gostamos, ao nosso planejamento de vida e a
nossa vontade. Jesus nos convida à voluntária e total liberdade de sujeitarmos
tudo a Ele. São escolhas de vida ou de morte. Cada um é livre, mas as
consequências estão claras, assim como elas foram claramente explicadas ao povo
ao qual o profeta Isaías foi enviado.
2. Pronto para o envio
Isaías vê o
Santo, ouve a adoração ao Santo, seu pecado é confrontado, é purificado pelo
Santo e se vê chamado a um trabalho santo. Diante da majestade do que se revelou,
sua livre escolha é obedecer. Isaías diz por que sua convicção interior não lhe
permite fugir da nobre tarefa que lhe é confiada. Ele é convencido de que
aquEle que diz: “quem há de ir por nós?” está lhe dando uma tarefa muito nobre,
irrecusável: advertir seu povo para que se arrependa. Uma paixão sacerdotal
toma conta do profeta, e este se coloca a disposição ao ouvir a voz do Senhor,
a voz irrecusável.
Ele é informado
de que não terá bons resultados - será um pregador fracassado. Terá muita
autoridade e santidade, mas não será ouvido (Is 6.9-10). O resultado será mais
rebeldia e desobediência e, como consequência, o país seria destruído e
devastado (Is 6.11). O povo já está com o coração duro, mas a mensagem de
Isaías o endurecerá ainda mais, como num claro gesto de recusa, pois, sem a
palavra do profeta, a recusa poderia parecer superficial e a consciência
ficaria tranquila, mas assim as máscaras caem e aparece a verdade da falsa
religiosidade e da rebeldia que precisa ser rechaçada por palavras que cairão
no vazio de ouvidos moucos.
3. A Santa semente
Deus lhe avisa
para que não fique frustrado. Até que tudo ficasse desolado e desabitado, sua
mensagem não seria ouvida, mas depois ela produziria resultados, e suas
profecias se cumpririam. Essa advertência da parte do Senhor é a motivação para
que o profeta não desista, pois foram 40 anos de grandes mensagens rejeitadas
até que, finalmente, o tronco começaria a brotar na volta do exílio (Is 6.13).
Paradoxalmente, a frutificação a partir de troncos feios e queimados é um
contraste humilhante diante da grandeza e da glória do Deus que se revelou a
Isaías. Assim, a fumaça da glória é um contraste com a fumaça das florestas
queimadas; a beleza dos seres angelicais é um contraste com a feiura dos
troncos chamuscados; a completude da santidade que a tudo envolve é um
contraste com a pequenez dos troncos decepados.
Sobraria uma
floresta de troncos decepados, uma nação de troncos; mas desses troncos,
brotaria uma semente que faria toda a diferença, Cristo, que purificaria e
salvaria não somente o povo de Israel, mas também todo o mundo (Jo 3.16). O
resultado do ministério do profeta mostra que o ativismo e a busca desenfreada
por sucesso em tudo que se faz nem sempre é o desejo de Deus. Histórias
deslumbrantes e testemunhos arrebatadores nem sempre estão de acordo com a
santidade de Deus. São as tentações do mundo, da carne e do Diabo (1 Jo 2.16),
com promessas de gratificação, muitas vezes imediatas, que nos levam a ter
desejos de uma vida melhor que não levam em conta aquilo que o Santo pensa e
quer, pois é do tronco feio e queimado que brotará a vida abundante, pois o
Santo não é negociável. Os frutos do trabalho podem demorar séculos, como no
caso de Isaías. A tentação do imediatismo ministerial tem sido um grande mal
para a Igreja, pois tem feito muitos trocarem os métodos de Deus, algumas vezes
demorados, por métodos humanos fáceis e rápidos, mas que não correspondem com a
santidade daquEle que chamou nem produzem frutos duradouros.
O tronco que
brotará indica que, em qualquer trabalho no Reino de Deus, o esforço humano nem
sempre é recompensado a curto ou médio prazo, como na vida do profeta.
Diligência e compromisso nem sempre garantem a frutificação imediata, mas onde
existe a vida de Deus, aí existem condições plenas de brotar a semente. O
próprio profeta disse: “Porque, assim como descem a chuva e a neve dos céus e
para lá não tomam, mas regam a terra e a fazem produzir, e brotar, e dar
semente ao semeador, e pão ao que come, assim será a palavra que sair da minha
boca; ela não voltará para mim vazia; antes, fará o que me apraz e prosperará
naquilo para que a enviei” (Is 55.10-11). Cedo ou tarde, a Palavra produzirá o
que é necessário, pois é Ele quem dá o crescimento. A nós basta plantar e
regar, mas nenhum esforço para fazer crescer dará resultados. (1 Co 3.6).
O inverso
também pode ser verdadeiro. A diligência e o compromisso em querer fazer brotar
aquilo que é falso, ou ainda a presença de milagres extraordinários nem sempre
é sinal de que a vida de Deus está ali. Jesus advertiu contra os falsos
profetas, que reivindicavam estarem fazendo a vontade plena de Deus quando, na
verdade, estavam enganando a si mesmos e todos os que os seguiam, pois seus
métodos e intenções eram torpes, embora eles aparentassem ser possuidores da
verdade. Falsos profetas não aceitam ser chamados de falsos, nem dizem isso de
si mesmos; muito pelo contrário, eles apregoam a verdade, porém poluída pela
mentira de suas intenções. São praticantes de iniquidade. Eles são conhecidos
pela fama que querem ter, pelo dinheiro que pedem ou pelo poder que constroem
de forma torpe, gananciosa - tudo isso à custa de pessoas manipuláveis. Eles
podem ser medidos pelo caráter, pelo ensino e pelo resultado, embora nem sempre
isso esteja claro. Jesus disse a respeito destes, numa versão parafraseada:
“Tudo que fizeram foi me usar para virar celebridade. Vocês não me impressionam
nem um pouco, fora daqui!” (Mt 7.23).
Jesus sempre
acolheu pecadores, comia com eles e tratava-os com dignidade. Porém, quem Ele
mais criticou em seu ministério eram os falsos profetas, falsos líderes, falsos
professores e falsos pastores (Mt 23.1-7), pois se travestiam de santos, mas
por dentro eram totalmente falsos, “sepulcros caiados, que por fora realmente
parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda
imundícia” (Mt 23.27). “Nunca vos conheci” (Mt 7.23).
Dessa forma,
convém que, diante do chamado pessoal de cada um, estejamos submissos e
obedientes àquilo que o Santo quer de cada um, com um coração livre para
atender ao seu ide, pois ver o Senhor implica em olhar para cima, olhar para si
mesmo e olhar para os outros com compaixão.
Autor:
Claiton Ivan Pommerening
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