Introdução da
Epístola aos Romanos
A Carta de Paulo aos Romanos é uma
das mais belas obras literárias já escritas. E uma carta diferenciada. A
influência que esse documento canônico causou na história do pensamento cristão
é simplesmente impressionante! Começando no século V com Agostinho, bispo de
Hipona, que no início da Idade Média foi grandemente impactado pela leitura de
Romanos. Embora não possamos endossar tudo aquilo que Agostinho escreveu,
todavia é inegável a sua contribuição para a Teologia e Filosofia. No século
XVI, essa carta também exerceu uma poderosa influência sobre Martinho Lutero, o
grande reformador alemão. Foi fundamentado em Romanos que Lutero lançou o lema
da Reforma: A justificação pela fé somente! Em anos mais recentes, Karl Barth,
teólogo suíço, também testemunhou a grandeza dessa carta.
A Carta aos Romanos foi escrita
para a igreja. Foi endereçada a pessoas simples, provenientes de todas as
camadas da população e sem distinção de cor ou de raça. Não foi endereçada a
teólogos, eruditos, nem tampouco a especialistas em religião. A carta foi
escrita com o propósito de edificar a igreja, tirar dúvidas e esclarecer
questionamentos que a nova fé estava provocando. Junte-se a isso o desejo do apóstolo
em contar com o apoio dos romanos no estabelecimento de uma nova base
missionária. Romanos, portanto, é uma carta escrita para todos nós.
Sem dúvida, a temática abordada
por Paulo nessa carta é uma das mais diversificadas do Novo Testamento. Embora
não contemple todas as doutrinas do Novo Testamento, aborda as principais. A
doutrina da justificação pela fé, independentemente das obras, é o principal
eixo em torno do qual a carta se move. Somente em Romanos o conflito entre a
“carne” e o “Espírito” aparece de forma tão dramática. Todo cristão quando lê
Romanos se identifica com o “eu” paulino.
O apóstolo Paulo era um homem
douto, treinado na principal instituição teológica de seus dias, tendo estudado
com Gamaliel. O apóstolo estava consciente de que escreveria a um público
diversificado, vindo de todas as camadas sociais, e que os assuntos por ele
tratados eram profundos e complexos. Uma metodologia específica, portanto,
deveria ser adotada. E foi o que ele fez. Na sua carta é possível perceber que
o apóstolo recorre com frequência ao método de diatribe para aclarar os seus argumentos. Esse método consiste em
um diálogo com um interlocutor imaginário com quem se dialoga, fazendo
perguntas e oferecendo respostas. Mas não é só isso. Na carta é possível encontrar
referências às regras de interpretação usadas pela escola rabínica de Hillel. O
uso de duas dessas regras aparece com clareza na argumentação do apóstolo: a qal wahomer e a gezerah shawah. Na
primeira regra, o que se aplica ao caso menos importante certamente se aplicará
também ao caso mais importante. Na segunda regra, a analogia entre textos
bíblicos, incluindo a semântica das palavras comuns em ambos, é usada para se
estabelecer a veracidade de um fato.
A leitura da carta, portanto, é
prazerosa e edificante. Todavia, não podemos deixar de registrar aqui os
embates teológicos surgidos por conta das diferentes leituras que essa carta
provocou. Não foi meu propósito ser dogmático em algumas questões de natureza
puramente confessional, mas não deixei de registrar o meu entendimento de
certas passagens que, a meu ver, receberam uma interpretação que destoa da
argumentação adotada por Paulo nessa carta.
Não poderia deixar de dizer que o
meu texto não é perfeito e que não possui lacunas. A propósito, as lacunas e as
imperfeições fazem parte de nossa antiga herança, tão bem retratadas em
Romanos. Todavia, devo dizer que este livro foi escrito com o propósito único
de glorificar a Deus e de promover a edificação do seu povo. Foi escrito por um
pastor que, no labor de seu trabalho pastoral, encontrou forças no Senhor para
se lançar em tão grande missão — produzir um comentário de fácil entendimento,
mas que fosse também teologicamente consistente.
Por último, as citações que faço
neste livro de várias obras, muitas delas escritas por teólogos de diferentes
confissões de fé, não significam que concordo com tudo o que eles dizem. Nem
tampouco significa que concordo com suas crenças e confissões de fé. Cito-os
tomando por base a validade de cada argumento dito. Faço minhas as palavras de
Tomás de Aquino, o gênio intelectual da escolástica: “Os argumentos não devem
ser aceitos pela autoridade de quem diz, mas pela validade do que se diz”.
Romanos 1.1-6
Paulo, servo de Jesus Cristo,
chamado para apóstolo, separado para o evangelho de Deus, o qual antes havia
prometido pelos seus profetas nas Santas Escrituras, acerca de seu Filho, que
nasceu da descendência de Davi segundo a carne, declarado Filho de Deus em
poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos, —Jesus
Cristo, nosso Senhor, pelo qual recebemos a graça e o apostolado, para a
obediência da fé entre todas as gentes pelo seu nome, entre as quais sois
também vós chamados para serdes de Jesus Cristo.
Paulo, o Apóstolo da Graça
“Paulo...” (1.1). A Carta aos Romanos tem início com a
identificação do nome de seu autor, Paulo. Há uma unanimidade entre os
intérpretes conservadores da autoria paulina de Romanos. Stanley Clark, autor de
um excelente comentário sobre Romanos, observa que “a carta afirma que seu
autor é Paulo o apóstolo (1:1). Esta afirmação tem sido questionada seriamente.
A evidência interna (estilo, conteúdo, circunstâncias do autor) a confirma e
tem sido a convicção entre os crentes desde os primeiros tempos. C. H. Dodd tem
declarado que a autenticidade da Epístola aos Romanos é uma questão já
resolvida”.
O nome Paulo é uma forma latina do
hebraico Saul. Sabemos através do livro de Atos dos apóstolos que ele era
natural de Tarso, cidade da Cilicia, hoje território turco. Paulo nasceu em um
lar judeu e herdou por direito de nascimento a cidadania romana. Ele mesmo informa
que seus pais eram fariseus (At 23.6) e por influência destes se tornou
fariseu, estudando na Escola de Gamaliel (At 5.34; 22.3). Isso fez com que o
seu zelo pelo judaísmo aumentasse e que se tornasse um ferrenho defensor de
suas tradições. Motivado por esse zelo, passou a fazer uma perseguição
sangrenta aos cristãos, levando muitos deles ao cárcere e à morte. E esse homem
implacável que se torna posteriormente o maior defensor e propagador do
cristianismo. Foi no encontro com Jesus ressuscitado no caminho de Damasco,
capital da Síria, que Paulo teve sua vida totalmente mudada (At 9.1-22). A
graça de Deus superabundou em sua vida.
"... servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o
evangelho de Deus” (1.1). Duas coisas Paulo diz acerca desse seu
chamamento: ele agora era um “servo” de Jesus Cristo e que foi “separado” para
o evangelho. A palavra “servo” traduz o termo grego doulos, cujo sentido é “aquele que pertence a outro”. A vida de
Paulo não pertencia mais a ele mesmo, mas a Jesus Cristo, o Senhor! Em segundo
lugar, Paulo, além de servo de Jesus Cristo, foi também “separado” para ser um apóstolo.
O particípio perfeito passivo do verbo grego aphorizo (separado) mostra que ele havia sido separado para Deus e
continuava dentro dessa nova fronteira que fora demarcada para seu chamamento.
Sua missão agora era ser um enviado de Deus para onde Ele o mandasse. O termo
“apóstolo” assume uma conotação teológica no Novo Testamento, cujo sentido é
“enviar (para fora) para servir a Deus com a própria autoridade de Deus”. Sim,
Paulo não era agora um mero zeloso da lei, mas um apóstolo, um enviado pelo Senhor
para conquistar o mundo para Deus.
"... pelo qual recebemos a graça” (1-5). Aqui aparece pela
primeira vez na carta aos Romanos a palavra “graça” (gr. charis). Essa palavra, que sem dúvida predomina no pensamento
teológico de Paulo, ocorre 164 vezes no texto do Novo Testamento grego, sendo
23 vezes somente em Romanos. Sem exagero algum, Romanos é uma carta cheia da
graça! A graça se torna um tema fundamental na teologia paulina. Na verdade, o
principal eixo de sua teologia. Paulo se sentia devedor dessa graça! Qualquer
leitor atento observará que a graça está no início e no fim das suas obras
literárias. Por exemplo, em 1 Coríntios, Paulo mostra que a graça impede que o
passado o machuque. “Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de
ser chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus. Mas, pela graça de
Deus, sou o que sou” (1 Co 15.9,10a). Paulo não negou o seu passado e já
sabemos que seu passado não foi nada agradável. Todavia, ele, totalmente imerso
na graça de Deus, sabia que seu passado tinha ficado para trás. Mas a graça fez
mais! A graça não permitiu que ele ficasse choramingando pelos cantos, caindo
na inércia por se sentir um “Zé Ninguém”. Não, a graça não permitiu que ele
ficasse inoperante. Ela o impulsionou para o trabalho. “E a sua graça para
comigo não foi vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não
eu, mas a graça de Deus, que está comigo” (1 Co 15.10). Essa mesma graça o
ajudou a superar os obstáculos e a conviver com as adversidades. “E disse-me: A
minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa
vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o
poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas
necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque,
quando estou fraco, então, sou forte” (2 Co 12.9,10). Que mais fez a graça por
ele? Ela o salvou: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não
vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8); fez com que fosse um vencedor: “Mas graças
a Deus, que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Co 15.57) e um
embaixador do Reino de Deus: “E dou graças ao que me tem confortado, a Cristo
Jesus, Senhor nosso, porque me teve por fiel, pondo-me no ministério” (1 Tm 1.12).
Tudo feito pela graça!
Romanos 1.7-15
A todos os que
estais em Roma, amados de Deus, chamados santos: Graça e paz de Deus, nosso
Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Primeiramente, dou graças ao meu Deus, por Jesus
Cristo, acerca de vós todos, porque em todo o mundo é anunciada a vossa fé.
Porque Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho, me é
testemunha de como incessantemente faço menção de vós, pedindo sempre em minhas
orações que, nalgum tempo, pela vontade de Deus, se me ofereça boa ocasião de
ir ter convosco. Porque desejo ver-vos, para vos comunicar algum dom
espiritual, a fim de que sejais confortados, isto é, para que, juntamente
convosco eu seja consolado pela fé mútua, tanto vossa como minha. Não quero,
porém, irmãos, que ignoreis que muitas vezes propus ir ter convosco (mas até
agora tenho sido impedido) para também ter entre vós algum fruto, como também
entre os demais gentios. Eu sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a
sábios como a ignorantes. E assim, quanto está em mim, estou pronto para também
vos anunciar o evangelho, a vós que estais em Roma.
Amados Romanos
“A todos os que estais em Roma... ” (1.7). Paulo não foi o fundador
da igreja que estava em Roma, mas possuía um desejo ardente de visitá-la. Ele
sabia que seu apostolado era para os gentios e sabia também que a igreja de
Roma era formada predominantemente de gentios (Rm 1.6). Todavia, endereça sua
carta a “todos os crentes” de Roma. William McDonald observa que a expressão
“todos” deve ser entendida no contexto de que em Roma, capital do império, não
havia apenas um local de culto, mas vários, e Paulo queria que todos tomassem
conhecimento dessa carta.6 Mas se Paulo, que fundou quase todas as igrejas do
Novo Testamento, não foi quem levou o evangelho para Roma, quem foi então? Não
há elementos que nos permitem ser dogmáticos nesse assunto, mas os intérpretes
acham indícios que permitem fazer deduções. Por ocasião do Dia de Pentecostes,
entre os que receberam o batismo no Espírito Santo estavam “romanos que aqui
residem” (At 2.10, ARA). Teriam sido esses crentes romanos que se encontravam
em Jerusalém, depois de serem cheios do Espírito Santo, que voltaram para Roma
com a preciosa semente do evangelho. Roma, portanto, era uma igreja que nasceu
do Pentecostes.
“... Chamados santos” (1.7). Como costuma fazer em outras cartas,
Paulo se dirige aos crentes usando o adjetivo “santos”. “Santo” (gr. hagios) era aquilo que fora separado
para um serviço especial. Aqui significa dedicado
a Deus, santo e sagrado. Os crentes são santos porque foram separados para
pertencerem a Deus. O conceito de santificação posicionai já aparece aqui nessa
expressão. Em Cristo todos os crentes são santos porque foram comprados com seu
sangue e, portanto, pertencem a Ele (1 Co 6.19,20). O conceito de santificação
progressiva, aquela na qual o crente tem sua participação efetiva, aparecerá na
argumentação de Paulo no capítulo 8 dessa carta. Infelizmente, o conceito de
santidade se encontra de tal forma relativizado que quase não é mais possível
se distinguir o santo do profano. Santidade tem a ver com o estabelecimento de
limites e a diferença clara entre o que é certo e o que é errado. O parâmetro é
sempre dado pela palavra de Deus. Infelizmente, quem está ditando os padrões
para as igrejas não é mais a Bíblia, e sim a cultura secular. E impressionante
a facilidade que têm muitos crentes de se moldarem por aquilo que o mundo dita.
Se o mundo permite se divorciar por qualquer motivo, então muitos crentes acham
que devem fazer o mesmo. Quem se levantar contra é logo taxado de falso
moralista! Todavia, a Escritura chama isso de mundanismo! Mundanismo é pecado.
"... em todo o mundo é anunciada a vossa fé” (1.8). Esse
versículo mostra a influência que a igreja de Roma exercia. Paulo reconhece que
a fé deles já era notícia no mundo todo. Era uma igreja que todo mundo sabia
que ela existia. Talvez a tragédia da igreja hoje esteja no fato de ela passar
despercebida na sociedade. Poucos sabem da sua existência e os poucos que sabem
não se sentem mudados por ela. Qual seria, pois, a razão da pouca influência da
igreja contemporânea? Não podemos ser simplistas, mas evidentemente que existem
causas para esse fenômeno de esfriamento das igrejas. Um pneumatismo anárquico, que tem lançado a igreja numa verdadeira
corrida sensorial é uma das razões. A busca desenfreada por realização, por
prazer, tem transformado a igreja em uma comunidade de consumidores, e não de
adoradores. A busca por mais adrenalina não está acontecendo apenas em esportes
radicais, mas também em muitos cultos. Infelizmente, as igrejas neopentecostais
estão na vanguarda dessa nova espiritualidade. Por outro lado, as ortodoxias engessantes também são
nocivas da mesma forma. Cultos frios, em que o ritual não dá a mínima liberdade
para o exercício dos dons espirituais, é um veneno para a espiritualidade da
igreja. Não devemos ser contra a liturgia, pois todo culto a Deus necessita
possuir um ritual litúrgico. Todavia, foi o mesmo Paulo quem esboçou os
princípios de uma liturgia de uma igreja onde o Espírito não está engessado.
“Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem
doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para
edificação” (1 Co 14.26).
“... incessantemente faço menção de vós, pedindo sempre em minhas
orações” (1.9,10). Uma das marcas da espiritualidade de Paulo é sua
profunda piedade cristã. Paulo era um homem devotado à oração. Mesmo não
conhecendo ainda a igreja de Roma, ele se lançava em um trabalho de intercessão
por ela. Alguns pensam que a oração ficou restrita aos menos letrados, aos
místicos. Todavia, aqui encontramos um homem com uma profunda formação
teológica, um verdadeiro erudito, que não negligenciava sua vida devocional. O
teólogo anglicano Alan Jones observou que quem pensa não ora e quem ora não
pensa! Essa parece ser a lógica da espiritualidade dos clérigos do século XXI.
Não é de admirar que se encontrem tantos clérigos vazios, mas cheios de si
mesmos. A devoção foi substituída pela busca da posição. Como disse o filósofo Antônio
Cruz, a carne sufocou o espírito.
“.„para vos comunicar algum dom espiritual” (1.11-13). A expressão
“dom espiritual” traduz o grego charisma pneumatikon. O expositor bíblico
Stanley Clark observa três usos dessa palavra no contexto de Romanos. Primeiramente,
ela é usada em referência ao dom da graça, Cristo Jesus, que Deus deu a todos
os homens (Rm 5.15,16). Em segundo lugar, a referência aos dons que Deus
outorgou ao povo de Israel (Rm 11.29). Em terceiro lugar, uma capacidade
especial que Deus deu a um membro da igreja para que seja usado no ministério
(Rm 12.6). Eu me junto àqueles que veem aqui o terceiro sentido. A expressão charisma peneumatikon é a mesma
encontrada nos capítulos 12 a 14 da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios, onde
a referência é aos dons espirituais. Não há dúvida de que aqui essa expressão
tem significação similar ao encontrado ali. Muitos intérpretes, quando leem as
cartas de Paulo, as leem com os óculos da cultura onde vivem. Não se dão conta
do contexto espiritual da igreja do primeiro século. A igreja de Roma, como
foram todas as outras do Novo Testamento, era filha do Pentecostes. Ela
entendia a linguagem do apóstolo sobre os carismas do Espírito porque também os
vivenciava. Paulo queria naquela visita compartilhar os frutos de sua
experiência com Deus e da mesma forma queria se sentir abençoado com aquilo que
Deus também havia feito na vida daqueles crentes. Há muita gente criticando
experiências espirituais sem nunca as ter vivido.
Romanos 1.16,17
Porque não me
envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo
aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego. Porque nele se descobre a
justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.
A Graça que não Decepciona
“Porque não me envergonho do evangelho...” (1.16,17). Em seu
célebre comentário de Romanos, o expositor bíblico C. E. B. Cranfield observa
que a forma “negativa em que Paulo se exprime deve ser explicada não como
exemplo de atenuação (significando que ele, Paulo, está orgulhoso do
evangelho), mas como refletindo o seu sóbrio reconhecimento do fato de que o
evangelho é algo de que, neste mundo, os cristãos serão constantemente tentados
a envergonhar-se.
(Podemos cf. Mc 8.38; Lc 9.26; 2
Tm 1.8.) A presença desta tentação como característica constante da vida cristã
é inevitável, não só por causa da contínua hostilidade do mundo para com Deus,
mas também por causa da natureza do próprio evangelho, o fato de que Deus
(porque Ele determinou deixar espaço aos homens para tomarem decisão pessoal
livre, em vez de compelidos) interveio na história para a salvação dos homens,
não com poder e majestade manifestos, mas de maneira velada, era destinado a
ser visto pelo mundo como fraqueza e insensatez vis”.
Essa, evidentemente, é a graça que
não decepciona. A graça de Deus não é motivo para vergonha nem tampouco
envergonha ninguém. Todavia, há algo por aí se passando por “graça” que não tem
graça alguma. Essa “graça”, além de envergonhar o evangelho, está produzindo
grandes escândalos. Todo tipo de aberração ética, teológica, comportamental e
até mesmo espiritual estão sendo justificados por essa suposta graça. É uma
graça que não tem graça. Quando a graça perde a graça, ela já não é mais graça,
mas uma desgraça. A propósito, a palavra grega traduzida aqui como
“envergonhar” é epaischynomai que é
formada pela junção da preposição epi
e o verbo aischyno. A palavra
composta tem seu sentido intensificado, significando desonrado, desgraçado. Em outras palavras, refere-se a alguém que
caiu em desgraça ou que foi desonrado. Ao colocar a negativa “não” antes desse
vocábulo, Paulo diz que se sente honrado pela mensagem que abraçou. Ela não o
decepciona.
"... é opoder de Deus para salvação de todo aquele que crê” (1J6).
O evangelho é motivo de honra, e é muito mais. O evangelho é o poder de Deus
que traz salvação a todo que crer. “Poder” traduz o termo grego dynamis, de onde provém o nosso vocábulo
dinamite. Essa palavra é usada 120 vezes no Novo Testamento e significa capacidade para executar. E uma
referência à habilidade de Deus no processo da salvação.
O propósito dessa “explosão” do
evangelho é salvação dos homens. O significado da preposição grega eis (para) tem o sentido de “tendo em
vista a”, mostrando o propósito do evangelho. Ele é de fato o poder de Deus,
mas não é um poder que busca o engrandecimento do homem, mas a glória de Deus.
Infelizmente muitos parecem não saber disso e não se deixam usar pelo
evangelho, mas em vez disso fazem uso do poder do evangelho para se autopromoverem.
Buscam as suas próprias glórias e realizações.
Ao afirmar que o evangelho é o
poder de Deus, o apóstolo tem em mente mostrar a razão do envio de sua carta
aos romanos. Já tendo feito as cordialidades costumeiras que eram comuns nesse
tipo de correspondência pessoal, ele agora introduz o assunto do qual passará a
tratar a seguir. Ele vai explicar como a graça de Deus, objetivando a salvação
de todos os pecadores perdidos, se manifestou de forma mais que abundante na
pessoa bendita de Jesus Cristo. No dizer do poeta:
A graça de Deus revelada
Em Cristo Jesus, meu Senhor,
Ao mundo perdido é dada
Por Deus d’infinito favor.
A graça de Deus é mais doce,
Do que bens terrestres daqui;
Em gozo meu choro tornou-se
Correndo Sua graça p’ra mim.
Mais alta que nuvens celestes,
Mais funda que profundo mar,
A fonte da vida fizeste,
Na qual nos podemos fartar.
A graça de Deus hoje prova
Tu que vives na perdição,
Pois Ele te salva, renova,
Também limpa teu coração.
A graça de Deus revelada
Em Cristo Jesus, meu Senhor,
Ao mundo perdido é dada
Por Deus d’infinito favor.
Graça, graça,
A mim basta a graça de Deus: Jesus;
Graça, graça,
A graça eu achei em Jesus.
A mim basta a graça de Deus: Jesus;
Graça, graça,
A graça eu achei em Jesus.
A graça de Deus é mais doce,
Do que bens terrestres daqui;
Em gozo meu choro tornou-se
Correndo Sua graça p’ra mim.
Mais alta que nuvens celestes,
Mais funda que profundo mar,
A fonte da vida fizeste,
Na qual nos podemos fartar.
A graça de Deus hoje prova
Tu que vives na perdição,
Pois Ele te salva, renova,
Também limpa teu coração.
Autor: José Gonçalves
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