Isaías tem em
vista nesta profecia a vinda do Messias (Cristo) como o Rei, prevendo que da
dinastia de Davi e da linhagem de Jessé viria a salvação de Israel. Ele seria o
ápice dos reis do pacto davídico e o surgimento do majestoso Reino de Deus e a
futura glória desse Reino. O profeta contemplou um Rei e um reinado
perfeitamente restaurado onde, além de Israel, o Reino de Deus abraçaria todas
as nações da terra e subsistiria sobre todos os reinos do mundo, estabelecendo
um tempo áureo de justiça, alegria e paz. Portanto, seria um reino sem fomes,
guerras, conflitos, doenças ou qualquer coisa que tivesse conotação de maldade.
A esperança do futuro não consiste de coisas terrenas, nem se levanta da terra.
Ela é de natureza espiritual e tem origem no Senhor. Deus, mediante sua graça,
permitiu que o profeta Isaías espreitasse o futuro com maiores detalhes como
não tinha visto até então.
As profecias de
Isaías sobre o Messias e seu Reino estão em harmonia com várias profecias
bíblicas. Dentre elas, Gn 3.15, que demonstra que, quando os seres humanos
perderam o domínio sobre a criação e caíram em desgraça, Deus lhes prometeu um
salvador, aquele que esmagaria a cabeça da serpente e a paz que havia no
paraíso seria restaurada; Moisés, o grande líder de Israel, foi um profeta que
apontou para o Messias (Dt 18.15-19); Davi, como grande rei, é o precursor da
dinastia eterna de Cristo (SI 132.12), e seu reino serve de referencial humano,
embora falho, para o reino messiânico (2 Sm 7.16); o profeta Ezequiel falou
deste rei (Ez 21.27; 34.23); bem como vários salmos se referem ao Rei e seu
Reino (SI 2; 11.4; 21; 45; 63; 72; 89.18-37; 101; 132.11-12). Assim sendo, a
promessa messiânica perpassa todo o Antigo Testamento, com predições exatas
quanto à sua glória, majestade, justiça e abrangência.
I - O MESSIAS E SEU REINO
1. Quem é o Messias
A profecia de
Isaías com relação ao Reino messiânico e Cristo como seu Rei são confirmadas
várias vezes no Novo Testamento (Mt 1.18; 16.16,20; 26.63; 27.22; Mc 8.29;
14.61; Lc 2.11,26; 9.20; 22.67; Jo 4.29; 7.26; 9.22; 10.24; At 2.36; 3.20;
4.26; 5.42; 9.22; 17.3; 18.28; 26.23). Assim, o Messias é Jesus de Nazaré, que
foi ungido no dia de seu batismo (Mt 3.16; Jo 1.32). Os discípulos confirmaram
essa realidade e, por ocasião de sua acusação perante as autoridades, foi-lhe
imputada culpa por blasfêmia, mas Deus ressuscitou o inocente dentre os mortos
“fazendo-o assentar à sua direita, nas regiões celestiais” (Ef 1.20 -NVI).
Dessa forma, seu Reino de estabelece entre os salvos, pois ele “nos fez
assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” (Ef 2.6).
2. Atributos do Messias
No Novo
Testamento, há uma lista que enumera os vários dons do Espírito, que são
divididos em dons de manifestação, de serviço e ministérios. Esses dons são
muito valiosos ao cristianismo, especialmente ao pentecostalismo. Mas Isaías
11.2-3 nos informa sobre uma importante lista de dons, que, na verdade, são
atributos do Espírito Santo que estiveram sobre Cristo, mas que também estão
disponíveis para todos e tomam a vida mais plena e bela. Os atributos do
Messias são descritos pelo profeta, tendo Ele todas as qualidades que um rei
perfeito poderia possuir, que são:
• O dom da sabedoria, que é
a capacidade de julgar todas as coisas e tomar as decisões mais acertadas,
penetrando no âmago da compreensão de todas as coisas, sabendo a maneira
correta de reagir.
• O dom do entendimento, que
é a capacidade de captar e discernir intelectualmente as circunstâncias,
relacionamentos e realidades divinas e humanas, abrindo, também, a mente à
compreensão das escrituras.
• O dom do conhecimento, que
é a capacidade de argumentar, dar razões e organizar provas científicas; está
relacionado à sabedoria e ao entendimento, mas também se refere ao conhecimento
do Senhor, ou seja, experimentar quem Ele é e saber sua vontade e seus
caminhos, tendo origem na comunhão de amor e de confiança para com Ele.
• O dom do conselho, que é a
capacidade de discernir e consultar a si mesmo e aos outros para saber a
perfeita vontade de Deus.
• O dom de fortaleza é dado
para não se desfalecer no combate da fé, vivendo bem o cotidiano, apesar das
dificuldades e obstáculos.
• O dom da piedade, que faz
ter a experiência da relação filial com o Pai, permitindo perceber a
sacralidade de Deus, das pessoas e da natureza. Tem a ver mais com o coração do
que com o intelecto, pois inclina a pessoa a fazer sua vontade.
• O dom do temor de Deus,
que é a docilidade que move a reverenciar e submeter-se a Deus. E o alicerce e
o princípio da sabedoria, conforme Provérbios 1.7.
Os atributos
designados a Ele esclarecem a perfeição de suas ações, e todos os tesouros de
sabedoria estão com Ele. Ele tem todo o entendimento para se ajustar a todas as
ocasiões. A capacidade de saber resolver problemas e dar conselhos está sobre
Ele. Seu conhecimento lhe possibilita avaliar o estado das coisas para agir
coerentemente. O Messias, em contraste com outros reis, terá seu deleite no
temor do Senhor, que é a descrição padronizada do Antigo Testamento para
espiritualidade.
3. O Rei da justiça
Ele julgará com
retidão baseado no que é sensato. Sua beleza está em sua capacidade de
estabelecer perpétua e plenamente a justiça, cumprindo todas as expectativas
colocadas sobre Ele (Ap 22.3). Além disso, o Reino de Deus também consiste na
retidão a nós atribuída por intermédio de Cristo, como caminho de justiça (Rm
3.21) mediante uma correta posição diante de Deus (de pecadores a purificados)
através de Cristo.
O Messias não
terá apenas o conhecimento equilibrado para garantir a justiça social, mas
também terá a força para colocar em vigor o que Ele sabe estar correto. Ninguém
o engana com julgamentos falsos, e nem frustra sua capacidade de discernimento,
pois sua sabedoria e conhecimento não são meramente humanas, acumuladas com a
experiência, mas elas ultrapassam os anos e a eternidade. Justiça e fidelidade
são partes integrais de suas vestes, o cinturão segurava todas as peças do
vestuário (Is 11.5), e sua fidelidade aos homens e a Deus esboçam a nobreza de
Seu caráter. Ele não é limitado como os simples mortais ao que os olhos veem e
os ouvidos ouvem, nem é enganado pela lisonja. Ele conhece o coração das
pessoas, as intenções, os desejos mais secretos; as aparências não o conseguem
enganar, não existem segredos ocultos a Ele; Ele sabe diferenciar entre culpa e
inocência com total assertividade.
O Messias terá
sabedoria para desprezar acusações falsas e julgará especialmente a causa do
oprimido, sabendo o que é correto; além disso, suas sentenças levarão em conta
a justiça em favor dos pobres da terra. Portanto, o trabalho prioritário do
Messias será reverter situações calamitosas ocasionadas pelos corruptos,
opressores, espoliadores, gananciosos contra todos os fracos e indefesos, os
que, embora tendo direitos, não os podem fazer valer por si mesmos. Ele lutará
em favor daqueles que não puderam se defender, daqueles aos quais nunca foi
dado oportunidades na vida, os que foram desprezados por não se encaixarem nos
padrões de força, beleza e produtividade de uma sociedade consumista, alienada
e gananciosa. A justiça será a marca registrada desse Reino, e por isso será
glorioso. Somente Ele é capaz de proteger os fracos contra a violência dos
poderosos.
II - A FUTURA RESTAURAÇÃO DE ISRAEL
1. Promessas de restauração
Isaías
novamente utiliza, ao se referir à vinda do Messias, à figura do tronco
decepado, mas com vida (Is 6.13; 11.1,10; 60.21), representando um recomeço, um
remanescente; enfatizando que, ainda que a destruição seja grande, com muitas
perdas e danos, todavia, aquilo que brotaria do tronco assumiria dimensões
gigantescas e restauraria todas as coisas, melhores ainda do que eram antes da
destruição e dispersão do povo. No capítulo 6 (Is 6.13), o profeta é específico
ao se referir que viria do tronco de Jessé, ou seja, o pai de Davi. Portanto,
ele está se referindo ao maior descendente de Jessé, que é Cristo, o Messias.
Além disso,
Deus prometeu a Abraão que, através de sua linhagem, todos os povos da terra
seriam abençoados (Gn 12.3). Em consequência dessa promessa, na teologia
dispensacionalista, Israel tem um lugar especial no projeto de Deus, por causa
das promessas divinas feitas a Abraão. Mas antes da restauração de Israel, o
profeta prevê a conversão dos gentios, cumprindo, assim, a profecia (G1 3.28).
Entretanto, seu governo será universal, e Deus se tomará tudo em todos (1 Co
15.28), Cristo será glorificado (Ef 1.10), e todas as coisas estarão incluídas
no seu poder restaurador. Ele será tudo em todos. A restauração indica que o
Reino de Deus sobrepujará qualquer reino da história, nem podendo ser
comparável a qualquer outro, onde todas as áreas de atuação humana serão
potencializadas para o bem, tanto a política, social, cultural, económica e
religiosa.
2. Características do Reino restaurado
O profeta
descreve o que alguns intérpretes supõem ser características do Milénio e
ilustra as condições ideais de vida sobre a Terra com o Messias. Quando todo o
conflito universal chegar ao fim, o lobo e o cordeiro não serão mais inimigos,
crianças viverão em segurança no meio dos leões e terão como companheiros o
urso e a serpente, e nenhum ser humano explorará o outro. Um quadro de
verdadeira paz e harmonia entre os povos e nações, que reflete as relações de
justiça entre os homens. Nesse Reino, os seres humanos viverão em paz entre si
e principalmente com Deus, o seu criador.
Portanto, os
animais ferozes poderão conviver tranquilamente com animais pacíficos, pois a
maldição do pecado, que afetou toda a natureza, será tirada. Até mesmo crianças
poderão conviver com animais ferozes e peçonhentos, os animais serão tão dóceis
quem uma criança poderá guiá-los. A terra será inteiramente renovada como era
originalmente e haverá abundância de colheitas para que todos tenham
satisfeitas suas necessidades básicas.
Essa expressão
de Isaías pode também ser um simbolismo, onde o leão, que representa força e
violência, caracteriza o império assírio e babilónico e todos os impérios
mundiais que oprimem pessoas, bem como a serpente com sua astúcia que engana,
ilude e mata. O lobo pode ser os chefes de estado e líderes maldosos que
controlam pessoas e instituições para arrancar deles o melhor. O boi e o
cordeiro representam na Bíblia o povo que sofre, sendo o boi um animal de carga
e força e o cordeiro o que se submete sem esboçar reação.
A maldade será
completamente extirpada deste Reino. Tanto a bravura dos animais será amansada,
quanto a maldade dos homens será aplacada. O que antes era completamente
impossível, dada a rivalidade e a disposição para a guerra, agora será
perfeitamente possível, pois o Rei da Paz governará sobre tudo e todos. Nem
mesmo crimes, seja de que ordem for, haverá neste Reino. Os mansos da terra que
o profeta se refere são os que vivem em situação de opressão e suportam a injustiça
com bondade, sem retaliações, confiando em Deus. Portanto, o profeta pressupõe
que a violência será totalmente extirpada, estabelecendo-se a justiça, pois o
Rei fará a justiça triunfar para todo sempre. Além disso, haverá um
conhecimento de Deus em todas as pessoas, ou seja, toda ignorância, adoração a
ídolos, corrupção política, líderes religiosos espoliadores, tudo isso será
coisa do passado, pois Cristo esclarecerá a mente de todos, quanto aquilo que é
servir a Deus e adorá-lo “em Espírito e em verdade.” Será um conhecimento tão
grande que o profeta o compara à profundidade do mar, dadas as suas dimensões e
abrangência.
A Bíblia afirma
que neste Reino tudo será novo (Is 65.17; 66.22; Ap 21.1,5), não haverá morte,
nem choro, nem clamor (Is 65.19; Ap 21.4), será um lugar de alegria e renovo
(Is 65.18-19,24; Ap 21.2-3), haverá prosperidade, paz e felicidade (Is
65.21-25; Ap 22.5), um lugar que acolhe todos (Is 66.18-20; Ap 21.3-4) e
ninguém será excluído do culto (Is 56.7; 66.21-23; Ap 21.6,22-23).
Mas a
característica principal do Reino é que o Senhor habitará nele (Is 65.24; Ap
22.5). Isaías descreve essa habitação como o Senhor que faz coisas grandiosas
que são anunciadas em toda a terra (Is 12.5; 65.21-25), diz que o Santo é
grande em favor da nova terra (Is 12.6), que culmina com a profecia do apóstolo
João:
“E ouvi uma
grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens,
pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles
e será o seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais
morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são
passadas. E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas
todas as coisas” (Ap 21.3-5).
3. O novo êxodo: os habitantes do Reino
Da mesma forma
que uma bandeira é colocada no alto dum monte para atrair as pessoas, assim o
Messias atrairá todos a si e se tomará em ponto de convergência. Não há como
negar que a volta do cativeiro babilónico em 539 a.C. é uma pequena amostra do
que acontecerá futuramente, porém em escala de grandes proporções. Cristo
atrairá todos a si com sua beleza de caráter. A igreja comprada com a morte do
Messias será reunida ao Israel restaurado (Hb 12.22), porque de ambos os povos
fez um (Jo 11.52) e assim congregar a si todas as coisas (Ef 1.10).
O Messias vai
chamar e congregar os filhos de Israel que foram espalhados pelas nações
opressoras dos vários impérios que destruíram seu povo. Além do cativeiro
assírio e babilónico, houve o romano, iniciado no ano 70 d.C., e que só foi
revertido em parte, em nossos dias, com a fundação do estado de Israel em 1948.
Nas palavras da profecia, Deus chama pelos quatro cantos da terra para ajuntar
os que estão perdidos. Essa chamada seria para todos adentrarem para o Reino de
Deus (v.10). A profecia de Isaías, a princípio, fala sobre o remanescente como
sendo os desterrados de Israel (Is 11.12). No entanto, vemos nos Evangelhos a
pregação do Reino como um tema central. Israel, bem como os discípulos de
Jesus, pensaram que o Reino seria estabelecido na terra como um reino político.
No entanto, como não entenderam a plenitude do Reino, a oferta foi rejeitada
por Israel, sendo, então, apresentada aos gentios na era da graça (Jo 1.11),
que se findará quando tudo estiver sob o domínio de Cristo.
Embora houvesse
um retomo do povo de Israel do cativeiro babilónico e, recentemente, o
reagrupamento de Israel na Palestina, o agrupamento que acontecerá durante este
Reino de Cristo é incomparável (Is 11.11). Nos atuais regressos do povo de
Israel, foram instalados conflitos, pois alguns povos foram expulsos para que
este pudesse tomar a terra. Mas sob o reinado do Messias, haverá lugar para
todo mundo. A volta do povo da promessa não será motivo de guerras e violência,
mas todos viverão em paz. A promessa é de que o Messias será o atrativo para
todos os povos, e este promoverá um reagrupamento justo e reinará glorioso em
todo universo. (Is 11.10).
III - OS CRENTES E O REINO
1. O lugar do Reino (Lc 17.21)
A Igreja é uma
das expressões do Reino na qual estão as esperanças humanas de participação no
futuro Reino celestial (Cl 1.13). Assim, sempre que a Igreja expressa a vida de
Cristo, está expressando o Reino. Isso acontece quando Deus governa os corações
humanos através de seu Espírito Santo, infundindo neles os valores do Reino.
Mas não podemos esquecer que a Igreja é ambígua. Ela tanto revela quanto oculta
o Reino de Deus, pois é perfeita e também é falha. Sendo perfeita, ela reflete
o caráter de Cristo no Reino. Sendo falível, reflete o espírito do Anticristo.
O espírito do Anticristo (1 Jo 2.18) quer impedir que este Reino flua no
coração das pessoas e no mundo. Sendo assim, a Igreja tem a tarefa de, com
Cristo, o seu Rei, lutar contra as potestades do mal que querem impedir a
instalação do Reino, tanto agora, quanto no futuro perfeito. Para isso ela
combate o pecado, tanto individuais quanto coletivos, em suas mais variadas
formas, que afeta a relação do homem com Deus, com o próximo e com a criação.
Assim, a missão da igreja como sinal do Reino de Deus, se concretiza “com todo
seu compromisso integral com o mundo [e] dá seu testemunho em palavra e ação,
na forma de serva.” A atuação do Espírito Santo, na correta interpretação da
Palavra de Deus, levará todas as instâncias que a adotarem para a comunidade do
Reino, inclusive a Igreja, que, por isso, é constituída como anunciadora e
proclamadora da Palavra no mundo. E no mundo onde acontece a vida, a concretude
das histórias pessoais e universais, é onde acontece a realidade histórica,
cultural, social, política e ecológica, onde está inserida a Igreja. Assim
sendo, ela faz parte do mundo, mesmo não sendo do mundo. Não sendo do mundo,
não pode se mancomunar com política, economia, religiosidade e sociedade corrompidas
e injustas, e sim estar inserida nela como voz profética. O cristão não se
envolve com a política, a economia e a sociedade com interesses egoístas,
desejos ilícitos ou para promover a si próprio; antes, envolve-se para promover
os valores e a antecipação do Reino de Deus na terra.
As
características do Reino de Deus são justiça e liberdade. Assim, a Igreja, como
comunidade do Reino, é uma comunidade de justiça e de liberdade, além de eficaz
proclamadora dessas virtudes nobres. Portanto, a Igreja é um sinal escatológico
do Reino que está por vir, ao antecipar a concretude desse Reino com suas ações
no mundo que refletem as virtudes desse Reino. Ela, de posse e prática da
Palavra de Deus, tem autoridade para implantar antecipadamente o Reino, ainda que
de forma precária diante da perfeição do Reino por vir. A Igreja vislumbra, já
e agora, o Reino futuro. Entretanto, o Reino vai muito além dos limites da
Igreja, e sua plenitude está profetizada para o futuro. No Evangelho de Mateus,
esse Reino é chamado o “Reino dos Céus” porque o céu é habitação de Deus.
Porém, quando o Reino finalmente se estabelecer, a autoridade de Jesus Cristo
será exercida até nos lugares onde hoje não é aceita. A rejeição ao Reino é a
rejeição à nova ordem que ele estabelece. Quando não há sujeição ao Reino de
Deus, domina a “injustiça que é contrária à justiça, o egoísmo que é contrário
ao amor e a morte que contrapõe a vida que ele oferece.” Assim, o Reino de Deus
se resume em esperança futura gloriosa, mas também em ações concretas aqui e
agora. Caso contrário, as realidades do Reino foram mal compreendidas. Dessa
forma, a Igreja é cooperadora com Deus para antecipar o Reino no mundo, porém
aguarda, de forma não alienada do mundo, o tempo em que o próprio Deus
instalará seu Reino para todo o sempre. A presença do Reino mostra-se modesta,
sem alarde, pois ainda não é completa, nem todos foram curados, libertos,
perdoados e socialmente compensados. Jesus compara a limitação desse Reino
entre os homens ao grão de mostarda (Mt 13.31-32), muito pequeno no início, mas
que depois assume proporções gigantescas.
O Reino de Deus
é um anseio humano profundo e até mesmo angustiante de espera (Rm 8.22-23), de
desejo por salvação e libertação, numa tensão paradoxal de estar a um só tempo
apontando para o futuro (Lc 21.31), porém já realizado (2 Pe 1.4), intervenção
de Deus e trabalhar humano, transcendente e concretamente histórico realizado e
realizando-se (imanente).
O Reino se
manifesta como graça libertadora, mudando a visão de Deus, não mais como juiz,
mas como pai amoroso. Isso traz libertação, embora provoque hostilidades das
forças do mal sempre que o Reino se instala. Assim, a libertação traz consigo
os seguintes embates:
a) luta contra
o reino de satanás, manifesto através da autoridade de Jesus sobre os demónios
e a libertação dos mesmos, abolindo a invocação a outros deuses;
b) libertação
de carências e sofrimentos, demonstrada através das curas e das
bem-aventuranças;
c) libertação
da culpa e do pecado. Jesus perdoou todos os pecadores, atraindo-os para si e
restaurando-os;
d) libertação
de estruturas religiosas opressoras e alienadoras. O próprio Jesus promoveu
reinterpretações da Lei, embora Ele não tenha sido um novo legislador, mas a
própria essência da nova Lei do amor, para que promovesse a vida. “Vocês
ouviram o que foi dito [...] mas eu lhes digo [...]” (Mt 5.21,22; 27,28; 31,32;
33,34; 38,39; 43,44 -NVI).
2. O Reino como virtudes cristãs (1 Co
4.20)
O Reino de Deus
é dádiva, é graça, é disposição e trabalho divino. Mas, para que ele aconteça,
é preciso seguir algumas orientações:
a) que ele seja
aceito no coração (Lc 17.20-21);
b) quem o
recebe experimenta arrependimento, “metanoia”, mudança de pensamento, tem um novo rumo
de vida, um novo comportamento moldado no caráter de Cristo;
c) quem o
aceita precisa seguir a Jesus através do discipulado e repetir suas obras, e,
com a ajuda de Cristo, renunciar a vontade própria e tomar a cruz diariamente
(Lc 9.23).
O Reino de Deus
abrange todas as coisas sobre as quais Deus exerce poder, a vida dos homens, o
mundo e tudo que nele existe; já está estabelecido aqui e agora para os crentes
cujas vidas Cristo é o Rei. Mas ele será também um Reino político futuro.
Portanto, o que se vive agora são sinais imperfeitos do perfeito Reino futuro.
O Reino messiânico que os crentes atualmente vivem não faz parte da dimensão
material e objetiva; sua dimensão transcende a matéria, incluindo todas as
coisas (Lc 17.21). No Evangelho de João, o Reino equivale à salvação e à vida
eterna (Jo 3.3-5) que um homem não pode possuir sem o novo nascimento. No
evangelho de Mateus, as virtudes do Reino são demonstradas no Sermão do Monte
(Mt 5-7) através da nova ética de princípios eternos do Reino de Deus.
Portanto, em
essência, o Reino de Deus é a conversão do coração ao amor, à confiança, à
certeza da provisão de Deus, à misericórdia, à justiça, à paz, ao perdão, ao
descanso, à certeza do amor de Deus, enquanto Ele vai pacificando o coração,
expandindo a consciência da vida dEle em nós, promovendo a tomada de decisão
interior de descansar nEle. Mas esses privilégios do Reino trazem consigo
responsabilidades, pois os participantes do Reino são um grupo em missão de
Deus, são sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13,14). Tem como função salvar
almas, mas também denunciar as injustiças que tentam ameaçar o Reino. Devem
promover a justiça e a vida com todas as suas nuances, variedades e
possibilidades. Assim, anunciar o Reino significa que o Evangelho seja pregado
em todos os lugares, a todas as pessoas, em todas as circunstâncias e ao ser
humano como um todo.
3. O Reino de Deus é paz e alegria (Rm
14.20; Gl 5.22-23)
Paz e alegria
são aspectos do Reino e também características do Fruto do Espírito, que é
desenvolvido por Deus na alma do crente; essa paz faz parte do aperfeiçoamento
moral do homem. Ela permite que o homem viva em tranquilidade tanto com Deus quanto
com o próximo e também com sua própria alma. Uma pessoa alegre possui uma
qualidade de bem-estar que envolve não apenas as sensações mentais, corporais e
as circunstanciais, mas também a própria alma que se sente segura em Cristo por
ter encontrado a verdadeira vida. O Reino de Deus é este lugar onde não apenas
encontramos, mas também desfrutamos constantemente de paz e alegria,
independentemente do que estamos passando ou vivendo, pois é uma paz que não
depende das circunstâncias, e sim da comunhão entre o homem e Deus (1 Co 4.20),
“Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no
Espírito Santo” (Rm 14.17 -NVI).
4. O Promotor do Reino
O Espírito
Santo é quem promove no mundo os efeitos do Reino através de sua atuação
naquelas pessoas e instituições que aceitam o Reino. O Espírito opera:
a) através da
fé que vê além do efémero e aponta para a transcendência da realidade do Reino
contra as potestades (humanas e diabólicas) do mal no “já-agora”;
b) essa fé é
libertadora de leis e pretensões humanas injustas e opressoras;
c) Ele promove
a liberdade;
d) e o amor, no
qual toda realidade da Lei e do Evangelho se concentram, simbolizando que algo
novo surge no meio onde imperava o ódio e o desespero. A fé sem esse amor é
morta, porque esse amor desemboca em ações concretas de vida (Tg 2.26). A
materialização da fé se dá para com o próximo, não apenas emocional, mas também
compartilhando a vida e tendo ações proativas de amor.
Não há
verdadeira manifestação do Reino de Deus se este não for acompanhado do amor de
Deus derramado nos corações (Rm 5.5). Todos os que estão em Cristo (Rm
8.1;Ef2.13;3.6) manifestam essa nova vida cujo parâmetro principal é o amor.
Portanto, Cristo é a nova Lei do amor, e todos que se unem a Ele vivem a
realidade desta Lei através da atuação do Espírito Santo. Promover o Reino de
Deus em um mundo onde prevalecem a falta de amor, a ingratidão e a
desonestidade, acaba se tomando tarefa crucial para os cristãos, pois é Deus
que, através do Espírito Santo, cultiva no ser humano qualidades espirituais
que caracterizam um ser espiritual. Quando o Reino de Deus passa a habitar o
coração do homem, o mesmo conhece a verdadeira vida e desfruta intensamente de
sua posição em Cristo. “Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade, tanto na
terra como no céu” (Mt 6.10).
Autor:
Claiton Ivan Pommerening
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