A narrativa a
seguir foi escrita por C.S. Lewis, em seu livro “O Grande Abismo”. Ele conta a
história de Pâmela, uma mulher que perdera seu filho Miguel, o qual ela amava
mais do que ao próprio Deus e, por isso, não podia entrar no céu. Com a mente
prodigiosa do escritor, muitos detalhes são apresentados. Entretanto, aqui só
será narrado o essencial. O diálogo a seguir é travado entre Pâmela e um ser
Espiritual fictício. Nessa altura, a mulher queria ver seu filho na eternidade,
mas não era possível:
PAMELA —
"(...) O que quer de mim? Vamos. Quanto mais cedo começarmos, melhor. E
então poderei ver o meu menino. Estou pronta!”
SER — "(...)
Você não vê que não pode começar nada enquanto estiver nessa condição mental?
Está tratando Deus apenas como um meio de alcançar Miguel. Mas todo o
tratamento de solidificação consiste em aprender a desejar Deus por Ele mesmo.
(...) Você existe como mãe de Miguel somente porque existe em primeiro lugar
como uma criatura de Deus. Esse relacionamento é mais antigo e mais próximo”.
PAMELA —
"(...) Mas, estou certa de que fiz Miguel feliz. Empenhei toda a minha
vida...”.
SER — "Os
seres humanos não podem fazer uns aos outros felizes por muito tempo. (...) Ele
(Deus) queria que o seu amor puramente instintivo pelo seu filho (...) se
transformasse em algo superior. Queria que você amasse Miguel como Ele
compreende o amor. Não é possível amar um semelhante perfeitamente até que se
ame a Deus. (...) O (seu) instinto era incontrolável, selvagem e monomaníaco.
(...) O único remédio era remover o objeto desse sentimento. Era um caso
cirúrgico. Quando esse primeiro tipo de amor fosse contrariado, haveria então
uma pequena possibilidade de que na solidão, no silêncio, alguma outra coisa
pudesse começar a desenvolver-se”.
PAMELA —
"(...) Meu amor por Miguel jamais se perverteria. Nem que vivêssemos
juntos um milhão de anos. (...) Se Miguel estivesse comigo, eu seria
perfeitamente feliz. (...) Como poderia alguém amar mais a seu filho do que eu?
(...) Dê-me o meu filho. Ouviu bem? Não me importo com todas as suas regras e
regulamentos. Não creio num Deus que separa mãe e filho. Acredito num Deus de
amor. Ninguém tem o direito de se colocar entre mim e meu filho. Nem mesmo
Deus. Diga isso a Ele diretamente. Quero meu menino, e vou ficar com ele. Ele é
meu, está entendendo? Meu, meu, meu, para sempre e sempre. (...) Odeio a sua
religião e odeio e desprezo o seu Deus. Acredito num Deus de Amor”.
(O “visitante
celestial” [o próprio Lewis] pergunta ao seu "Professor”, que o
acompanhava na viagem) — "Há qualquer esperança para ela, Senhor?"
PROFESSOR —
“Existe alguma. O que chama de amor pelo filho se transformou em algo pobre,
espinhoso. Mas existe ainda uma pequenina centelha que não é apenas o seu
próprio ‘eu’, e ela pode crescer, virando uma chama. (...) o amor, como os
mortais entendem a palavra, não basta. Todo amor natural ressuscitará e viverá
para sempre neste país, mas nenhum irá ressuscitar se não tiver sido sepultado.
(...) Só existe um único ser bom, e esse é Deus. Tudo o mais é bom quando olha
para Ele e mau quando se afasta dEle. E quanto mais alto e poderoso estiver ele
na ordem natural, tanto mais demoníaco será se rebelar-se. Não é de ratos ou
pulgas perversos que se fazem demônios, mas dos maus arcanjos (...)”.
A história do
egoísmo de Pâmela por Miguel, que ela pensava ser amor, será bastante útil para
se analisar o mandamento da individuação (deixar pai e mãe), que foi a primeira
ordem dada pelo Criador à família. Esta questão se encontra no âmago do
mandamento, porque alguns pais, como a fictícia Pâmela, não querem deixar seus
filhos partirem, muito menos formarem um novo lar, não porque os amem
sobremaneira, e sim por amarem a si próprios mais do que aos filhos e ao
Altíssimo.
Abraão estava
em grande perigo espiritual quando o Eterno pediu para sacrificar Isaque (Gn
22.1,2). O amor de Abraão por Isaque era algo descomunal, com tanta intensidade,
que o Todo-Poderoso precisou prová-lo. Abraão somente provou seu amor pelo
Senhor quando, figuradamente, pela fé, usou o cutelo para matar e o fogo para
queimar o holocausto do seu filho (Gn 22.12).
Tanto Pâmela,
quanto o velho patriarca Abraão, tinham algo em comum: um filho para adorar! O
mandamento do Altíssimo, todavia, sobre a proibição de ter outros deuses diante
do Senhor, obstruía tal sentimento. Isso foi válido para aquela época e também
para os dias hodiernos.
Na verdade, a
raiz deste mal é o orgulho em possuir algo do qual não se quer abrir mão: os
filhos. (Será esse o motivo pelo qual algumas sogras não se relacionam bem com
as noras? Será que as sogras entendem que as noras roubaram algo de propriedade
exclusiva delas? Fica a pergunta). O fato é que há, frequentemente, muito
orgulho envolvido nisso tudo. O Todo-Poderoso, para confrontar esse sentimento
diabólico e estabelecer os alicerces de uma nova família, brada desde a
eternidade: deixará o homem seu pai e sua mãe (Gn 2.24).
I. O PRIMEIRO MANDAMENTO
1. Requisito para a perfeita união
Certos começos
possuem como requisito principal o término de determinados estágios. Por
exemplo, a primavera somente se manifesta quando o inverno vai embora. O mesmo
acontece com dia e noite. Igualmente acontece com a criação de uma nova
família! A anterior, que acompanha o filho ou a filha desde o nascimento,
cederá espaço para uma nova composição. Não se trata, aqui, da família anterior
ser esquecida, claro que não. Mas, apenas deixada em “segundo plano”. Nunca
desprezada, que são coisas bem distintas. A intenção do Eterno aponta para a
necessidade de toda nova família possuir características sui generis, para existir uma união perfeita. Isso é impreterível
para haver uma identidade familiar própria e crescimento. Dessa forma, o novo
casal precisa ter suas experiências pessoais e resolver seus problemas, sem
haver intromissão de nenhuma outra pessoa.
Esse mandamento
mencionado no Éden foi reiterado para Abraão (Gn 12.1-3). O amigo de Deus
colocou em prática a ordem de sair do meio da sua parentela e da casa do seu
pai, embora não completamente, pois levou consigo seu sobrinho Ló, causando
embaraços à sua própria família. O Senhor, toda vez que nos recomenda algo,
visa, em primeiro lugar, o nosso próprio bem. Deus nunca é egoísta, mas sempre
altruísta. Quando o Eterno pede algo ao homem, não é que Ele precise daquilo. O
Senhor não precisa de nada. Os seres humanos, naturalmente orgulhosos e
individualistas, são quem carecem, para a sua felicidade, abandonar as coisas
indevidas. Por isso, o Altíssimo as pede! Como exemplo, observe que Abraão
necessitava ficar livre de toda influência de sua família anterior, inclusive
de Ló, o qual só lhe trouxe dificuldades. Quando, por fim, tio e sobrinho se
separaram, o Todo-Poderoso fez a Abraão grandes promessas (Gn 13.11,14-17).
Com a lição
aprendida, Abraão ensinou tudo isso a Isaque e a Jacó, os quais, mesmo
habitando em tendas, juntos, no clã (Hb 11.9), não perdiam a individualidade,
pois cada um tinha a sua própria habitação (Gn 24.67; 31.34)! Eles sabiam
conservar a cultura familiar, sem deixar de atender a esse importante
mandamento.
2. Individuação
Deus é muito
criativo. Ele sempre faz coisas novas, sem precisar utilizar um modelo
anterior. Os evolucionistas não entendem isso e, por tal razão, minimizam o
grande milagre da Criação, atribuindo-o ao acaso, a partir da evolução de um
ser unicelular (são pessoas de muita fé!). Eles confundem adaptação (uma
espécie mudar suas características de acordo com as condições do ecossistema)
com evolução (migração para novas espécies, mesmo não existindo nenhuma prova
científica de que isso aconteceu alguma vez).
Deus, na
verdade, criou os seres viventes de maneira peculiar, para constituí-los
únicos. A individuação, portanto, é o fenômeno através do qual um organismo se
singulariza dentro da espécie, sem abandonar as características comuns dos seus
pares. É uma forma, portanto, de adaptação. Usando a mesma lei que atua na
natureza, o Senhor criou o mandamento para os nubentes deixarem pai e mãe, para
poderem desenvolver suas idiossincrasias enquanto nova família.
O verbo
hebraico usado na ordem de Gn 2.24, aqui analisada, é 'ãzabh, que significa partir,
abandonar, desamparar, soltar. Esse verbo também é utilizado frequentemente
quando se muda para um novo lugar (2 Rs 8.6), existindo separação entre pessoas
(Gn 44.22; Rt 1.16), ou ao se abandonar alguém (Ex 2.20). Dessa forma, o
Altíssimo determinou ao casal partir para novas experiências, abandonando a
casa dos pais, soltando os grilhões e traumas psicológicos da família paterna.
E necessário ressaltar, porém, que permanecer junto dos familiares é um
compromisso perene da nova família (SI 128), a qual não deve se excluir das
celebrações familiares — aniversários, Natal, dia dos pais, das mães, etc.
Entretanto, a singularização do ente familiar formado é imperiosa. Foi Deus
quem pensou assim.
É bom
ressaltar, todavia, que, enquanto estiverem em casa, os filhos deverão ser
totalmente obedientes aos pais, no Senhor. Quando se casarem, porém, “deixarão
pai e mãe”. Isso não significa abandoná-los. Mas, com o casamento, os filhos
devem sair da casa (afastamento geográfico), construir seu próprio patrimônio
(afastamento financeiro) e tomar suas próprias decisões na vida (autonomia e
afastamento psicológico ou emocional). Isso se denomina na filosofia de
individuação; ou seja, o indivíduo isola-se para adquirir sua própria
personalidade, dentro da nova família.
O filho casado,
por consequência, receberá autoridade para exercer a liderança, em amor, no seu
novo lar. E a filha casada, até então submissa aos pais, agora será submissa
exclusivamente ao marido, no Senhor. Aliás, é muito comum observar pessoas com
sérios conflitos familiares, quando os pais continuam se intrometendo nas
decisões dos filhos casados. Os bons conselhos dos pais sempre serão
necessários, mas as decisões devem ser tomadas, em conjunto, pelo novo casal.
Deus quer, desse modo, cada um com sua própria história. Muitos divórcios
ocorrem porque pais e filhos não compreendem a extensão e a duração do
princípio da autoridade e da submissão.
3. Menção na Bíblia
Na Bíblia, Deus
fala de individuação em Jó 39, mencionando como esse fenômeno acontece na
família das cabras monteses (vv. 1-4), cujos filhos, quando crescem e ficam
fortes, partem e “nunca mais tornam para elas”. As montanhas escarpadas nas
quais esses “alpinistas” extraordinários estabelecem sua morada, talvez não
devam ser divididas com todos. Não se sabe o motivo; entretanto, é imperativo,
para elas e para Deus, que cada nova família animal tenha sua própria montanha.
Quando os filhos das cabras monteses crescem, precisam viver sua própria
história, identificando-se como indivíduos, sem abrir mão dos ensinamentos
recebidos dos pais (indispensáveis à sobrevivência). Assim, à sombra dos seus
pais, elas certamente não poderiam, jamais, cumprir integralmente o projeto do
Criador.
Deus cita para
Jó esse exemplo da natureza juntamente com o de outros animais, como o jumento
selvagem, o cavalo, a avestruz, tudo isso para mostrar como são variadas as
obras de suas mãos. E é exatamente por essa variedade das obras do Senhor que
Ele exige ao homem, como requisito para casar, deixar seus pais.
Na vida
selvagem, há casos onde animais permanecem no mesmo grupo familiar até o fim
dos seus dias. Entretanto, como lhes falta entendimento, isso é perfeitamente
compreensível, mas não no caso da raça humana (Pv 24.3,4), onde Deus dotou cada
pessoa com uma personalidade diferente.
II. ALCANCE DO MANDAMENTO
1. Afastamento geográfico
Toda família
precisa de “espaço" para crescer. Para isso, Deus mandou o novo casal,
antes de se unir, deixar pai e mãe. Observe uma planta. Ela precisa de um
espaço só dela: veja quando o trigo divide um pequeno espaço geográfico com o
joio — Mt 13.28-30 — é um problema. A grande dificuldade é que as raízes do
joio e do trigo podem se entrelaçar, diante da proximidade territorial. Isso
significa a necessidade do trigo por um espaço individual, próprio. A mesma
coisa acontece com o novo lar.
Moisés
prosperou no deserto, Davi foi vitorioso na caverna de Adulão, Elias deu fruto
na casa da viúva em Sidom, João Batista frutificou às margens do Jordão, e o
apóstolo João teve a mais extraordinária revelação numa ilha inóspita. Assim,
fica claro que a geografia, ou seja, o lugar onde se vive, tem tudo a ver com a
bênção do servo do Senhor.
O apóstolo
Paulo, enquanto estava em Jerusalém, onde lhe era cômodo e estratégico, trouxe
muita confusão para todos, a tal ponto de os judeus procurarem matá-lo. Mas
quando os irmãos souberam disso “(...) o acompanharam até Cesareia e o enviaram
a Tarso. Assim, pois, as Igrejas (...) tinham paz e eram edificadas; e se
multiplicavam” (At 9.30,31).
A conversão de
Paulo, num primeiro momento, acarretou mais problemas, ao invés de alegrias
para a igreja da Judeia, Galileia e Samaria. Que coisa interessante! O maior
missionário de todos os tempos, em certo momento, foi um empecilho à Obra do
Altíssimo. Por qual motivo? Ao que tudo indica, ele estava pregando na hora
certa, porém no lugar errado. O Eterno iria ensinar-lhe sobre a bênção da
geografia.
Paulo estava
sendo um estorvo para a Igreja Primitiva daquela região. Mesmo assim, quando
foi enviado para Tarso (mandaram-no de volta para a sua própria casa), a igreja
teve paz, foi edificada e se multiplicou.
Paulo não
frutificou, mesmo fazendo o certo, pois estava distante da geografia adequada.
Este fato mostra que, embora todos sejam insubstituíveis (pois não existem duas
pessoas iguais), não há indivíduos indispensáveis
(nem mesmo Paulo), e o projeto do Soberano só será realizado integralmente se
os agentes do Senhor estiverem no local certo, o melhor lugar do mundo — o
centro da vontade de Deus.
Dessa forma, a
casa dos pais pode ser um lugar cheio de amor, carinho, conforto e compreensão,
porém nunca será o melhor lugar para construir uma nova família. É preciso
deixar tudo o que prende o novo casal ao passado! Não é fácil, mas é preciso.
2. Afastamento psicológico
A planta
precisa de luz solar para fazer a fotossíntese e crescer. Entretanto, essa
radiação trará certo incômodo a ela nos horários mais quentes do dia. Isso,
porém, é necessário. Utilizando o mesmo raciocínio, pode-se dizer que os pais
não devem privar seus filhos dos eventuais desafios psicológicos — exposição ao
sol. É preciso que cada nova família adquira individualidade, tomando suas
próprias decisões. Por mais que "doa” ver os filhos passarem por certos
"percalços” no novo contexto familiar, o bloqueio emocional ao novo casal,
pelos pais, (impedir que deixe psicologicamente os genitores) ensejará
prejuízo. Um escritor antigo dizia que "em mar calmo, todo barco navega
bem". As lutas e as dificuldades surgirão para que possam despontar a nova
liderança do lar: o marido.
A formação da
nova identidade familiar apresenta-se, pois, como algo indispensável. O rapaz e
a moça precisam saber quem, de fato, eles são. Essa será a mais emocionante
viagem possível a um indivíduo na companhia de quem se ama e do Altíssimo.
Nessa viagem introspectiva, cada um encontrará muitas respostas para perguntas
importantes, dentre as quais: Quem somos nós? Como o Senhor nos vê? Assim, cada
cônjuge compreenderá qual é a sua verdadeira identidade. Na Bíblia, em várias
ocasiões, antes de o Senhor se fazer conhecido a alguém, Ele fazia questão que
a pessoa entendesse quem, de fato, ela era, certamente para resolver uma crise
de identidade. Isso era fundamental para a pessoa seguir em frente, porque quem
não consegue enxergar a si mesmo tampouco conseguirá enxergar a Deus.
Muitos homens e
mulheres, instrumentos do Soberano, na Bíblia, passaram por essa experiência.
Eles conheceram, previamente, a identidade que Deus atribuiu-lhes, para depois
serem usados pelo Senhor. Eles precisavam conhecer sua nova identidade
familiar, para recomeçar o relacionamento com Deus.
Foi assim, por
exemplo, com Moisés, que era filho de escravos hebreus, no entanto criado como
um herdeiro do trono egípcio. Aos quarenta anos, decidiu assumir a defesa de
seus irmãos, porém com a arrogância de um senhor egípcio. Essa crise de
identidade fez Deus encaminhar Moisés ao deserto. Ele precisava conhecer a si
mesmo, saber quem ele era. Depois de quarenta anos de tratamento no deserto,
Moisés reconheceu sua identidade. A arrogância faraônica fora embora. Nesse
momento, Deus, de uma sarça ardente, revelou-se a ele e mandou libertar o povo
da escravidão. O novo casal, igualmente, precisa desse tratamento exclusivo do
Soberano, a sós, em seu lar.
3. Afastamento financeiro
A ordem de
"deixar pai e mãe” também atinge a parte financeira, porém o dever dos
pais ajudarem financeiramente os filhos (2 Co 12.14) e vice-versa (Mc 7.10-13)
nunca terminará diante de Deus, bem como perante a lei civil, a qual usa como
parâmetro para definir o valor da "pensão alimentícia” o trinômio
"necessidade-possibilidade-proporcionalidade”. Ou seja, o dever de pagar
reciprocamente alcança pais e filhos, na medida da necessidade e possibilidade
de cada um, aplicando o critério da proporcionalidade para achar o valor justo.
Há, porém, pais que possuem renda suficiente, mas exigem, para comprar
supérfluos, aportes financeiros mensais do filho casado. Por outro lado, existem
filhos casados que, irresponsavelmente, querem viver à custa dos pais. Os dois
extremos estão errados e causam sérios conflitos no lar. É bom frisar, por fim,
que nenhuma ajuda que inviabilize a administração do lar de quem contribui vem
de Deus, porque isso não tem origem no amor, mas sim em um sentimento indevido
de posse dos pais sobre o (a) filho (a) recém-casado (a), ou vice-versa.
Neste aspecto,
podem acontecer três problemas: a) os pais com renda suficiente exigirem do
filho casado contribuição financeira, para comprar coisas supérfluas, de
maneira indefinida, obstruindo a consolidação da nova família, b) Os filhos
casados, de maneira irresponsável, sobrecarregarem seus pais financeiramente,
inclusive indo morar com eles, tirando-lhes a privacidade e fazendo-lhes
passar, ocasionalmente, privações, c) Os pais fazerem questão de pagar todas as
despesas dos filhos casados, impedindo-lhes de ter suas próprias experiências
financeiras! Esses três casos podem dar origem a inúmeros conflitos dentro da
nova família, fazendo a situação do casal ficar insustentável. Nenhuma
escravidão (inclusive a financeira) vem de Deus, pois isso não provém do amor,
e sim de um sentimento indevido de
posse dos pais sobre o filho recém-casado, ou vice-versa.
Assim, é
preciso tomar bastante cuidado para isso não fragilizar o casamento. Tenho
visto, com muita frequência, divórcios por questões de natureza pecuniária
(relativo ao dinheiro). O fato de cada família viver em sua própria casa,
pagando, em regra, suas despesas, diminuirá sensivelmente esses atritos.
Talvez, em um
primeiro instante, morar com um dos pais seja uma ideia interessante, pois
haverá diminuição de despesas para quem está começando a vida. Entretanto, os
dias amargos, de “vacas magras” no aspecto emocional, virão, e eles podem ser
mais abundantes que os inicialmente agradáveis. Está escrito: “E as vacas
magras e feias comiam as primeiras sete vacas gordas...” (Gn 41.20).
Buscando a
orientação do Espírito Santo, essas questões serão resolvidas para a glória do Altíssimo,
gerando unidade e felicidade nas famílias. O amor consciente e responsável, que
deve existir entre pais e filhos, será uma bússola a guiar as gerações futuras
no caminho da vida, um tipo de "bênção hereditária”. O Altíssimo guarde as
famílias que o amam!
III. CONFLITO ENTRE MANDAMENTOS
Há, na Bíblia,
dois mandamentos aparentemente contraditórios: deixar e também honrar pai e
mãe.
1. Honrando pai e mãe
Na Bíblia,
temos um belo exemplo de subordinação entre filho e pai: o caso de Isaque e
Abraão (Gn 22). Ao ler o texto mencionado, pode-se observar um filho permitindo
ao pai matá-lo! Isso é submissão! E preciso que os filhos primeiramente
obedeçam e, só depois, entendam, para aprender a verdadeira obediência e não
condicionem suas ações à compreensão. Caso contrário, não seria obediência, e
sim rebelião, pois a submissão à autoridade, no Senhor, deve ser incondicional.
Honrar pai e mãe, como mencionado, é o primeiro mandamento com promessa (Ef
6.2).
Quando Golias
apareceu para desafiar Israel (1 Sm 17), não encontrou ninguém que quisesse ir
ao confronto. Saul era detentor de armadura e armas para enfrentá-lo, porém não
tinha autoridade espiritual. O Todo-Poderoso já o havia rejeitado. Depois de
quarenta dias de humilhação, apareceu Davi, que não possuía armadura, no
entanto o Altíssimo lhe conferiu autoridade espiritual, pois, além da unção
feita por Samuel, o desprezado pastor de ovelhas estava cumprindo uma ordem do
seu pai, Jessé, o qual o mandara levar um lanche a seus irmãos! Com a bênção
paterna, e também atendendo ao mover do Espírito Santo, o submisso Davi foi ao
campo de batalha e, no fim, o gigante Golias veio ao chão (1 Sm 17). Honrar aos
pais traz bênçãos sem medida.
Inclusive,
mesmo com o casamento dos filhos, o mandamento de honrar pai e mãe ainda
persistirá, e isso inclui ajudá-los, quiçá financeiramente, no momento das
dificuldades, conforme ensinou Jesus (Mc 7.10-13).
2. Deixando pai e mãe
Não existe
nenhuma contradição entre os mandamentos do Senhor, pois eles são puros e
alumiam os olhos (SI 19.7,8). Honrar pai e mãe, assim, não entra em contradição
com o mandamento que determina deixar pai e mãe, por ocasião do casamento. Como
mencionado, esse "deixar” restringe-se, tão somente, aos aspectos
geográfico, emocional e financeiro, mas em relação ao dever de honrá-los
permanecerá enquanto os filhos estiverem vivos. Jesus, por exemplo, até na hora
da morte honrou sua mãe, provendo-lhe uma casa para morar - a de João.
Quando a Bíblia
ordena o “deixar” geográfico, não implica dizer que os filhos não devem visitar
os pais. Ora, o SI 128.3 relata que os filhos serão como plantas de oliveira à
roda da mesa daquele que teme ao Senhor! O significado de tal expressão é que
os filhos sempre estarão presentes na casa dos pais, sentados à mesa,
participando de reuniões e refeições, inclusive com os netos, pois adiante diz
que os pais dedicados ao Senhor verão os filhos dos filhos (v.6). Isso é
comunhão profunda! O Altíssimo simplesmente deseja cada filho casado morando em
sua própria casa, assumindo a liderança de sua família. Dessa forma, o filho
casado, portanto, receberá autoridade para exercer a liderança, em amor, no seu
novo lar, e a filha casada, outrora sujeita aos pais, agora será submissa
exclusivamente ao marido, no Senhor.
Também não há
nenhum problema em participar das emoções paternais, de ter uma interação
psicológica com aqueles que outorgaram tantos cuidados e carinho ao longo da
vida. De modo algum. O importante é que todos envolvidos saibam os novos
limites impostos.
É um completo
absurdo o sogro ou a sogra repreender o filho (ou a nora) sobre uma conduta
tomada pela nova família. Essa fase já passou. Cabe aos pais orarem pelos
filhos e aconselhá-los sempre, mas a decisão deve ser tomada em comum pelo
casal. Isso se chama ser uma só carne. Intimidade e cumplicidade! Dali em
diante, os filhos, entretanto, ainda devem honrar grandemente seus genitores.
E, finalmente,
o “deixar” financeiro não significa a ausência de auxílio pecuniário aos pais,
como já foi mencionado. Contudo, essas ajudas não devem inviabilizar
patrimonialmente o novo casal. Cada um deve ter liberdade para construir seu
próprio patrimônio. Afinal, a Bíblia diz que os pais entesouram para os filhos,
e não o contrário (2 Co 12.14)!
Interessante
que, logo após Jesus e Paulo, respectivamente, falarem sobre o dever de o novo
casal deixar pai e mãe, eles acrescentam igualmente a obrigação de honrá-los
(Mt 19.5,19; Mc 10.7,19 e Ef 5.31; 6.2). Ou seja, um mandamento não invalida o
outro.
3. Filhos que podem morrer cedo
O Senhor
estabeleceu uma ordem natural maravilhosa no mundo, colocando a relação entre
pais e filhos no centro desse sistema. Isto tocou tanto o coração do Eterno,
que, quando Jesus ensinou seus discípulos a orar, determinou que chamassem a
Deus de “paizinho” (nossa tradução bíblica é "Pai Nosso”), um termo que
realça intimidade, relacionamento próximo entre duas pessoas ligadas por laços
de sangue e que se amam.
Assim, o padrão
do Soberano para a família é muito alto. O Senhor espera muito dos pais e dos
filhos. No Antigo Testamento, foi ordenado aos pais o dever de serem sacerdotes
no lar, ensinando a seus filhos constantemente a palavra do Senhor, em um
interminável culto doméstico. Que grande responsabilidade! A ordem de honrar
seus pais foi expedida aos filhos, sob pena de serem apedrejados.
No Novo
Testamento, o princípio bíblico para a família não foi alterado. Jesus e os
apóstolos foram firmes na manutenção do dever dos pais ensinarem aos filhos a
Bíblia e que os filhos honrem seus pais.
Conheci um
homem rico que, um dia, deu uma grande surra em seu pai. Algum tempo depois,
quando esse filho tinha quarenta ou cinquenta anos, morreu repentinamente.
Então, pensei: a palavra do Altíssimo se cumpre. É certo que alguns homens
honram seus pais e podem morrer cedo. Deus é soberano para fazer como quiser.
Entretanto, em minhas observações ao longo da existência, tenho visto esse
padrão bíblico invariavelmente funcionando. Por outro lado, vejo pessoas que
honram seus pais e os tratam com muito amor sempre vivendo acima da média.
Coincidência? Creio que não. Então, eu penso: o Senhor cumpre com sua palavra.
Autor:
Reynaldo Odilo
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