Romanos 1,18-22
Porque do céu se manifesta a ira
de Deus sobre toda impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em
injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque
Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do
mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente
se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis;
porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças;
antes, em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se
obscureceu, dizendo-se sábios, tornaram-se loucos.
A Revelação Natural
“Porque do céu se manifesta a ira de Deus... ” (1.18a). Parece
paradoxal que um texto que é conhecido como o Evangelho da Graça comece falando
sobre a ira. De fato, muitos comentaristas bíblicos ficam chocados com o tom
forte com que Paulo introduz essa seção de sua carta. Fica evidente que a
expressão “ira de Deus”, tradução do grego orgé,
carrega um peso de significado muito forte. Esse termo ocorre 36 vezes no Novo
Testamento grego. É o mesmo vocábulo usado por João Batista para dizer que os
fariseus e saduceus não escapariam da ira (orgé)
vindoura (Mt 3.7). É usado também para se referir à ira (orgé) do Cordeiro em Apocalipse 6.16. Na verdade, muitos
intérpretes que foram influenciados pela teologia liberal do século XIX, de
cunho fortemente humanista, não conseguiam harmonizar a imagem de um Deus
amoroso com a de um Deus irado. Mas a ira divina aqui é totalmente justificável
à luz do capítulo 1.18-32. O pensamento do apóstolo é claro — mostrar a
situação caótica, desesperadora e corrupta na qual a humanidade se encontrava e
como em meio a tudo isso Deus manifestou de forma copiosa a sua graça.
"... sobre toda impiedade e injustiça dos homens que detêm a
verdade em injustiça” (1.18). As palavras gregas asébeia e adikia estão
bem traduzidas aqui como “impiedade” e “injustiça”. Charles Hodge, em seu
comentário da Epístola aos Romanos, destaca que a primeira palavra representa a
impiedade em relação a Deus, e a segunda, a injustiça praticada contra os
homens. O argumento de Paulo aqui forma um contraste com aquilo que ele já
havia falado em Romanos 1.16,17, em que a justiça de Deus se revela pelo
evangelho. E por que Deus revela a sua justiça trazendo julgamento? Porque os
homens escolheram tornar a verdade prisioneira do pecado. Paulo diz que eles
“detêm a verdade em injustiça” (1.18).
"Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto
o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente se veem pelas
coisas que estão criadas...” (1.20). Paulo mostra que as obras da criação,
a revelação natural de Deus, servem de parâmetro para o julgamento de Deus.
Russel P. Sheed, renomado teólogo batista, destaca esse fato: “E inadmissível a
desculpa humana de que entre determinados povos e nações simplesmente nunca
houve qualquer oportunidade para se conhecer a mensagem salvadora. A Palavra de
Deus afirma que homens ignorantes acerca da Bíblia não ficaram sem conhecimento
algum de Deus (Rm 1.19). Até aos mais distantes Ele revela seus atributos, seu
eterno poder e natureza divina (Rm 1.20). Ninguém poderá sustentar alguma
desculpa ao chegar diante do tribunal do Rei do universo. Todos serão julgados porque
os homens, voluntariamente, encobrem
a verdade para praticar a injustiça (Rm 1.18). Essa ‘revelação natural’ que
todos têm de Deus (isto é, a verdade encoberta) será, portanto, a base da justa
condenação de todos os que não alcançaram a graça de ouvir a Palavra de Deus
(‘revelação especial’). ‘Eles não têm desculpa...’ (Rm 1.21). Todavia, Deus não
é injusto. Nunca condenará um homem por este não ter crido numa mensagem que
não teve oportunidade de ouvir. A justiça divina será mantida. No julgamento final,
a justiça divina julgará todos de acordo com a luz que Deus lhes deu: a criação
e a consciência” (grifo meu).
“... para que eles fiquem inescusáveis; porquanto, tendo conhecido a
Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças... ” (1.20,21). O
homem pós-queda é um homem afetado pela corrupção do pecado, embora não seja um
ser espiritualmente insensível. Nem tampouco é um ser que perdeu sua capacidade
de escolha. O texto deixa claro que ele podia perceber por meio da revelação
natural de Deus que a ordem das coisas tem um Criador. Mas não fez isso. Em seu
conceituado comentário sobre Romanos, o expositor Giuseppe Barbaglio observa
que “o juízo divino de condenação nada mais é que a resposta ao intencional
‘não’ por parte do homem. Paulo não se limita, porém, a esse aceno. Ao
contrário, desenvolve amplamente o porquê
da cólera divina (w. 19-23). Dá por sabido que os homens não só tiveram a
possibilidade de conhecer o Criador, mas de fato o conheceram. Sim, porque Ele
se manifestou a eles através da criação. A obra revela o seu artífice. A
inteligência, partindo do mundo, chega à sua causa. A eterna força e majestade
divina, de si invisíveis, tornam-se perfeitamente visíveis aos olhos da mente.
No plano do conhecimento a distância é superada, o encontro acontece.
Constatação positiva, sem dúvida, mas Paulo logo a transforma em acusação
contra o mundo pagão. Por isso os acusados não têm desculpas ou atenuantes.
Numa palavra, são culpados. Torque, embora tendo conhecimento de Deus, não lhe
renderam nem louvor nem ação de graças’. O conhecimento não se converteu em
reconhecimento. Teoria e práxis foram violentamente dissociadas”. De forma
análoga, o expositor bíblico Dale Moody, in
loco, sublinha esse fato, quando afirma: “o pecado distorce, mas não destrói
a possibilidade da percepção. A mente de fato pode tornar-se réproba (1.28),
mas também pode ser renovada (12.2). A mente torna possível a percepção”.
A oportunidade é dada a todos.
Romanos 1.23-32
E mudaram a glória do Deus
incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de
quadrúpedes, e de répteis. Pelo que também Deus os entregou às concupiscências
do seu coração, à imundícia, para desonrarem o seu corpo entre si; pois mudaram
a verdade de Deus em mentira e honraram e serviram mais a criatura do que o
Criador, que é bendito eternamente. Amém! Pelo que Deus os abandonou às paixões
infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à
natureza. E, semelhantemente, também os varões, deixando o uso natural da
mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, varão com
varão, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao
seu erro. E, como eles se não importaram de ter conhecimento de Deus, assim
Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convém;
estando cheios de toda iniquidade, prostituição, malícia, avareza, maldade;
cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade; sendo murmuradores,
detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos,
inventores de males, desobedientes ao pai e à mãe; néscios, infiéis nos
contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia; os quais,
conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam),
não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.
A Lei da Semeadura e da Colheita
“E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de
homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis” (1.23). O
apóstolo continua sua argumentação que justifica o julgamento de Deus. Em vez
de glorificar a Deus, o homem se afastou ainda mais. Deus os entregou à
idolatria (v. 23); imoralidade (v. 26) e animosidade (v. 30). Um abismo chama
outro abismo. C. Marvin Pate observa que “entregar” (v. 24) aqui tem o sentido
de “deixar as pessoas sofrerem as consequências de conseguirem o que desejam.
Em outras palavras, nos tornamos semelhantes aquilo que adoramos”. Ao escolher
adorar a criatura em lugar do Criador, ser o centro de si mesmos em vez de
terem Deus como centro de tudo, o homem mergulhou nas profundas trevas do
pecado.
“Velo que Deus os abandonou às paixões infames... ” (1.26,27).
Paulo passa então a falar de comportamentos sociais que, à luz das coisas
criadas, eram considerados como antinaturais. A homossexualidade, tanto
masculina como feminina, é citada como exemplo desse afastamento da ordem
natural (w. 26,27). Paulo, seguindo a tradição bíblica, reprova a prática
homossexual (Lv 18.22). Por outro lado, a cultura greco-romana tinha como
natural o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. A pederastia,
relacionamento de um adulto com alguém mais jovem, era vista com normalidade
tanto na Grécia antiga como em Roma. A maior parte dos Césares era homossexual.
É conhecida a frase do escritor romano Suetônio dizendo que o imperador Júlio
César “era o homem de toda mulher e a mulher de todo homem”. Suetônio ainda
fala sobre César como sendo amante de Nicomedes: “A reputação de sodomita
veio-lhe unicamente de sua estada junto a Nicomedes, mas isso bastou para
desonrá-lo para sempre e expô-lo aos ultrajes de todos”. Essa prática,
considerada normal para cultura greco-romana, era vista pelos judeus como uma
perversão da sexualidade.
Depois da revolução sexual dos
anos sessenta, o movimento em prol da homossexualidade ganhou força no mundo
inteiro. Grande parte desse feito é atribuído a Alfred Charles Kinsey
(1894-1956), considerado o apóstolo da perversão sexual. Kinsey popularizou
seus ensinos distorcidos sobre a sexualidade humana através de seu livro O Comportamento Sexual do Macho. Após as
pesquisas de Kinsey, que posteriormente ficou provado que foram todas
manipuladas, a sexualidade ganhou outro rumo. Passou-se a acreditar que o
homossexualismo estaria fundamentado em verdades científicas. Alguns teólogos,
que creem que há pessoas que já nascem homossexuais, tentam justificar esse
tipo de comportamento afirmando que a Bíblia condena as relações entre
heterossexuais e homossexuais, e não a relação entre um homossexual e outro
homossexual. O teólogo católico José Bortolini partilha desse entendimento: “A
carta destaca algumas dessas relações pervertidas. A primeira é o
homossexualismo feminino e masculino (1.26b,27). De modo geral, no mundo
greco-romano daquele tempo, a prática homossexual entre pessoas heterossexuais
era estimulada e inclusive vista como perfeição. Paulo certamente não tinha o
conhecimento que hoje se tem a respeito de pessoas que já nascem com orientação
homossexual. Ele detecta perversão entre heterossexuais que se dedicam a
práticas homossexuais”. Tal explicação, adotada inclusive por muitos movimentos
ditos evangélicos, não resiste aos fatos históricos nem tampouco a uma exegese
do texto bíblico. Para Paulo, o homossexualismo era uma perversão sexual porque
além de ser condenado na Escritura era também antinatural de acordo com Romanos
1.26,27.
Romanos 2.1-16
Portanto, és inescusável quando
julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo que
julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo. E bem sabemos que o juízo
de Deus é segundo a verdade sobre os que tais coisas fazem. E tu, ó homem, que
julgas os que fazem tais coisas, cuidas que, fazendo-as tu, escaparás ao juízo
de Deus? Ou desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência, e
longanimidade, ignorando que a benignidade de Deus te leva ao arrependimento?
Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no
dia da ira e da manifestação do juízo de Deus, o qual recompensará cada um
segundo as suas obras, a saber: a vida eterna aos que, com perseverança em
fazer bem, procuram glória, e honra, e incorrupção; mas indignação e ira aos
que são contenciosos e desobedientes à verdade e obedientes à iniquidade;
tribulação e angústia sobre toda alma do homem que faz o mal, primeiramente do
judeu e também do grego; glória, porém, e honra e paz a qualquer que faz o bem,
primeiramente ao judeu e também ao grego; porque, para com Deus, não há acepção
de pessoas. Porque todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão; e
todos os que sob a lei pecaram pela lei serão julgados. Porque os que ouvem a
lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser
justificados. Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as
coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais
mostram a obra da lei escrita no seu coração, testificando juntamente a sua
consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os, no dia
em que Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo, segundo o
meu evangelho.
A Revelação Especial
“Portanto, és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas,
porque te Condenas a ti mesmo naquilo que julgas a outro; pois tu, que julgas,
fazes o mesmo” (2.1). Há claramente uma mudança no pensamento do apóstolo a
partir desse ponto. O alvo agora não é mais o mundo gentílico, mas o judaico.
Nessa passagem, o apóstolo mostrará que os judeus não estão diante de Deus em
melhores condições do que os gentios. Douglas Moo observa que os judeus
poderiam pensar que podiam pecar sem serem punidos porque possuíam uma relação
pactuai com Deus. Mas de acordo com os versículos de 6 a 11, Paulo parece ir um
passo mais adiante: Os judeus não têm nenhum direito de pensar que
intrinsecamente o pacto lhes concede uma situação melhor que os gentios diante
de Deus.
O apóstolo mostra então as razões
por que os judeus não estavam em situação melhor do que os gentios.
1. Eles
praticavam aquilo que consideravam errado no comportamento gentílico (v. 1). Ao
agir assim, acabavam assumindo uma atitude de hipocrisia diante da lei.
2. Achavam
que por serem os guardiões da Torá estariam isentos de qualquer julgamento (v.
3).
3. Abusavam
da bondade de Deus (v. 4).
4. Possuíam
um coração impenitente (v. 5).
5. Ignoravam
a lei da retribuição (w. 6-10).
6. Eram
exclusivistas (v. 11).
7. Não
conseguiam viver as exigências da lei (w. 12-14).
“Porque todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão; e todos
os que sob a lei pecaram pela lei serãojulgados” (2.12). Comentando essa
passagem, Charles Swindoll argumenta sobre aqueles que querem questionar sobre
o que disse Paulo em Romanos 2.12. Isso não parece justo, argumentaria alguém.
Seria justo punir alguém por infringir regras as quais ele não teve a
oportunidade de conhecer? É exatamente isso que Paulo defende aqui. O fato é
que, embora houvesse gentios que nunca estiveram na Palestina nem tampouco
chegaram a entrar em contado como o povo hebreu e nem com sua lei, é bom
lembrar que todo homem carrega a imagem de Deus. Swindoll então diz
acertadamente que “parte dessa imagem inclui um sentido inato de que algumas
ações são boas e outras são más. No entanto, incluso nesse padrão imperfeito,
ninguém vive com justiça. Ninguém jamais tem obedecido com perfeição sua
própria consciência. A culpa é uma reação universal por fazer algo que a ética
pessoal de alguém o proíbe. No fim dos tempos, quando se ditar o veredicto
final, se terá pesado as obras de toda pessoa e serão achadas faltas. A
ignorância da Lei não é desculpa. Toda pessoa será julgada de acordo com seu
conhecimento do bem e do mal. E por qualquer padrão, seja a lei mosaica, seja a
própria consciência do gentio, toda pessoa será achada culpada”.
Romanos 2.17-29
Eis que tu, que tens por sobrenome
judeu, e repousas na lei, e te glorias em Deus; e sabes a sua vontade, e
aprovas as coisas excelentes, sendo instruído por lei; e confias que és guia
dos cegos, luz dos que estão em trevas, instruidor dos néscios, mestre de
crianças, que tens a forma da ciência e da verdade na lei; tu, pois, que
ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve
furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que
abominas os ídolos, cometes sacrilégio? Tu, que te glorias na lei, desonras a
Deus pela transgressão da lei? Porque, como está escrito, o nome de Deus é
blasfemado entre os gentios por causa de vós. Porque a circuncisão é, na
verdade, proveitosa, se tu guardares a lei; mas, se tu és transgressor da lei,
a tua circuncisão se torna em incircuncisão. Se, pois, a incircuncisão guardar
os preceitos da lei, porventura, a incircuncisão não será reputada como
circuncisão? E a incircuncisão que por natureza o é, se cumpre a lei, não te
julgará, porventura, a ti, que pela letra e circuncisão és transgressor da lei?
Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é
exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão, a que
é do coração, no espírito, não na letra, cujo louvor não provém dos homens, mas
de Deus.
Espiritualidade sem Verniz
Gosto da paráfrase que F. F.
Bruce, erudito em Novo Testamento, fez dessa passagem. Ela atualiza o que o
texto quer dizer.
Você tem o honroso nome de judeu.
Sua posse da lei dá-lhe confiança, gloria-se de que é ao Deus verdadeiro que
você cultua e de que conhece a vontade dEle. Você aprova o caminho mais
excelente, pois o aprendeu da lei. Considera-se mais instruído do que aqueles
que são inferiores por não terem a lei. Considera-se guia de cegos e instrutor
de tolos. Mas por que não dar uma sincera olhada em você mesmo? Você não tem
defeitos? Você conhece a lei, mas a guarda? Você diz: “Não roubarás”. Mas não
rouba nunca? Você diz: “Não adulterarás”. Mas será que cumpre sempre esse
mandamento? Você detesta ídolos, mas nunca rouba templos? Você se gloria na
lei, mas, de fato, sua desobediência à lei dá má fama entre os pagãos, a você e
ao Deus que cultua. Ser judeu aproveitará ao homem diante de Deus somente se
cumprir a lei. O judeu que quebra à lei não é melhor do que o gentio. E
inversamente, o gentio que cumpre as exigências da lei é tão bom à vista de
Deus como qualquer judeu que permanece na lei. Na verdade, o gentio que guarda
a lei de Deus condenará o judeu que a quebra, não importa quão versado nas
Escrituras esse judeu seja, não importa quão canonicamente se tenha processado
a sua circuncisão. Você vê, não é questão de descendência natural e de sinal
externo como a circuncisão. A palavra “judeu” significa “louvor”, e o
verdadeiro judeu é o homem cuja vida é digna de louvor pelos padrões de Deus,
cujo coração é puro à vista de Deus, cuja circuncisão é a circuncisão interna,
do coração. Este é judeu de verdade, digo eu — homem verdadeiramente digno de
louvor — e seu louvor não é matéria de aplauso humano, mas da aprovação divina.
“Eis que tu, que tens por sobrenome judeu, e repousas na lei, e te
glorias em Deus; e sabes a sua vontade, e aprovas as coisas excelentes, sendo
instruído por lei” (2.17). Paulo ainda continua preparando o terreno para a
exposição da doutrina da justificação pela fé da qual ele falará logo mais. Os
gentios possuíam a revelação natural, bem como a lei da consciência; todavia,
foram incapazes de reagir positivamente diante de Deus. Agora Paulo passará a
falar dos judeus, que foram escolhidos por Deus e a quem foi dada, de forma
especial, a lei. Todavia, assim como o pecado cegou os que tinham recebido a
revelação natural, da mesma forma cegou os que tinham recebido a revelação
especial.
Paulo havia demonstrado que os
gentios estavam debaixo das densas nuvens do pecado. Antes que algum judeu
legalista pudesse se gloriar de sua posição privilegiada em relação aos
gentios, o apóstolo se apressa em dizer que eles não possuíam vantagem nenhuma.
Se os gentios quebraram a lei natural, os judeus se demonstraram incapazes de
cumprir a revelação especial, que lhes fora dada por meio da lei no Sinai.
Eram, portanto, indesculpáveis.
Essa atitude legalista, em que a
religião é vivida apenas de forma exterior, conduz à hipocrisia religiosa e é
duramente combatida por Paulo. Aqueles que confiavam na lei como instrumento de
justificação começam a perceber que as suas posturas diante da lei não os havia
melhorado em nada. Paulo quer fazer com que eles vejam que esse modelo de
espiritualidade estava falido justamente pelo fato de terem eles falhado em
atender as exigências do preceito legal.
O legalismo foi uma ameaça para o
antigo Israel; todavia, continua sendo uma ameaça hoje. A salvação pelas obras,
isto é, que depende dos feitos de quem as pratica, parece ser algo atraente
para muitos. A tentativa de agradar a Deus por meio dos seus próprios méritos é
um perigo do qual o cristão precisa se precaver. Nessa seção das Escrituras,
observamos Paulo combatendo o modelo de espiritualidade que atua somente por
fora e não por dentro. Para ele, não era um judeu quem apenas possuía as marcas
da circuncisão na sua carne, isto é, externamente, todavia não se encontrava
marcado internamente (Rm 2.28,29). Muitos põem um verniz na sua espiritualidade
e isso é tudo que conseguem viver e mostrar. Viver de aparências parece ser
algo normal diante dos homens, mas não diante de Deus. Deus não possui uma
vitrine, onde adorna os seus filhos para uma simples exposição. Ele os coloca
no cenário da vida, na realidade nua e crua do dia a dia, para que eles possam
depender dEle e assim viver sem mascaramentos.
Romanos 3.1-20
Qual é, logo, a vantagem do judeu?
Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, em toda maneira, porque,
primeiramente, as palavras de Deus lhe foram confiadas. Pois quê? Se alguns
foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de Deus? De
maneira nenhuma! Sempre seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso, como está
escrito: Para que sejas justificado em tuas palavras e venças quando fores
julgado. E, se a nossa injustiça for a causa da justiça de Deus, que diremos?
Porventura, será Deus injusto, trazendo ira sobre nós? (Falo como homem.) De
maneira nenhuma! Doutro modo, como julgará Deus o mundo? Mas, se pela minha
mentira abundou mais a verdade de Deus para glória sua, por que sou eu ainda
julgado também como pecador? E por que não dizemos (como somos blasfemados, e
como alguns dizem que dizemos): Façamos males, para que venham bens? A
condenação desses é justa. Pois quê? Somos nós mais excelentes? De maneira
nenhuma! Pois já dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão
debaixo do pecado, como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há
ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram e
juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. A sua
garganta é um sepulcro aberto; com a língua tratam enganosamente; peçonha de
áspide está debaixo de seus lábios; cuja boca está cheia de maldição e
amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. Em seus caminhos há
destruição e miséria; e não conheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus
diante de seus olhos. Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz aos que estão
debaixo da lei o diz, para que toda boca esteja fechada e todo o mundo seja
condenado diante de Deus. Por isso, nenhuma carne será justificada diante dele
pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado.
Aliança Quebrada
“Qual é, logo, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da
circuncisão?” (3.1). Paulo encerra seu argumento mostrando que judeus,
gentios e toda a humanidade estavam debaixo do pecado. Não havia sobrado nenhum
justo. Tanto gentios que viviam sem lei como os judeus que viviam debaixo da
lei encontravam-se na mesma situação espiritual — afastados de Deus.
O expositor bíblico Henry Mahan
observa que “no Antigo Testamento os judeus tinham grandes vantagens sobre as
nações gentias. Tinham a palavra de Deus. Este término se usa quatro vezes no
Novo Testamento. Em Atos 7.38 significa lei de Moisés; em Hebreus 5,12 e 1
Pedro 4.11 abarca as verdades do Evangelho. Neste versículo estão incluídas
todas as Escrituras do Antigo Testamento, especialmente as que se referem ao
Messias, Jesus Cristo. Enquanto os gentios precisavam descobrir Deus como
podiam através da criação, consciência e providência, os judeus tinham as
profecias da vinda do Messias, as figuras e tipos de seu sacrifício e expiação
nas cerimônias e a promessa de redenção e perdão através da fé nEle. Em lugar
de crerem nEle e confessar sua culpabilidade revelada através da lei e
descansar na fé e na misericórdia de Deus e na justiça imputada, tomaram a lei,
a circuncisão e as cerimônias e a herança judia e estabeleceram sua própria
justiça baseada em uma imperfeita e hipócrita obediência formal. Todas as leis,
rituais, moralidade, cerimônias, Escrituras e forma externa não são de valor,
mas ao contrário são devastadoras, se não conduzem à pessoa de Cristo”.
0 comentários:
Postar um comentário